Varas judiciais empresariais são mais céleres

Tempo de tramitação das ações nas varas generalistas é o dobro, aponta pesquisa inédita

Joice Bacelo

Disputas empresariais são julgadas de forma mais rápida quando caem em varas especializadas. O tempo médio de tramitação das ações é de 217,8 dias, enquanto nas varas generalistas leva-se, em média, 415 dias, quase o dobro. Além disso, decisões de varas empresariais têm qualidade e previsibilidade, o que contribui para um melhor ambiente de negócios.

Essas informações constam em uma pesquisa inédita sobre 11,4 mil processos, que detalha a atuação das varas empresariais de São Paulo desde a instalação – duas em 2017 e duas em 2018. O estudo foi desenvolvido pela advogada Ana Paula Ribeiro Nani, na FGV Direito SP.

As quatro varas do Estado de São Paulo funcionam no fórum João Mendes, no centro da capital. Duas atendem os processos da cidade de São Paulo e não recebem recuperações e falências – há outras três unidades só para o tema, que não foram objeto da pesquisa. As outras duas são “regionais” e abrangem a Grande São Paulo e Santos, no litoral.

Uma análise conjunta mostra que a principal demanda em tramitação são os temas societários (37%). Depois, aparecem os processos relacionados à propriedade industrial e proteção de dados (23%). Em terceiro, casos de recuperações e falências – recebidos nas duas varas regionais (20%).

Discussões contratuais equivalem a 16% do total de casos e os temas relacionados à arbitragem somam 3%. A autora da pesquisa afirma, no entanto, que pode haver uma subvalorização das demandas da arbitragem porque como muitos desses casos tramitam em segredo de justiça não foram contabilizados no estudo.

São bilhões de reais em jogo. Uma das maiores brigas empresariais da América do Sul, para se ter ideia – com cerca de R$ 15 bilhões envolvidos – esteve em discussão em uma dessas unidades. Trata-se da disputa pelo controle da Eldorado Celulose entre o Grupo J&F e a Paper Excellence. Esse caso veio da arbitragem, com pedido de anulação de sentença, foi julgado pela 2ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem da Capital, e, após recurso, está na segunda instância.

Sem as varas empresariais, casos como esse seriam distribuídos para as varas cíveis, que comportam uma diversidade de causas, desde consumidor até família.

A ideia central da pesquisadora era saber se os três principais objetivos para a criação dessas varas especializadas estão sendo cumpridos: celeridade, qualidade e previsibilidade. Ela analisou processos em tramitação desde a data de instalação das unidades até dezembro de 2021. Também entrevistou mais de cem profissionais, entre advogados, juízes e desembargadores.

Em relação ao tempo de tramitação, Ana Paula Ribeiro Nani fez também um recorte mais específico. Contabilizou os processos sobre dissolução parcial de sociedade. Resultado: nas varas generalistas, o tempo médio de tramitação – entre a primeira movimentação e a sentença – foi de 426,1 dias. Nas varas empresariais, a média ficou em 269,5 dias. Redução de 37% do tempo.

Consta no estudo, além disso, que praticamente um quinto dos processos das varas empresariais são encerrados por acordo. Quando isso acontece, o tempo médio de tramitação fica em 184,5 dias. Sem acordo a média é de 224,5 dias.

A média geral registrada nas varas empresariais – de 217,8 dias – soma os processos encerrados com acordo e os decididos por setença. “Esse tempo é menor que o de muitas arbitragens. Estatísticas das principais câmaras arbitrais mostram que a duração dos procedimentos em 2022 foi de 20 meses. São cerca de 600 dias”, diz Ana Paula.

A arbitragem é um meio de resolução de conflitos alternativo ao Judiciário muito usado para a definição de questões societárias e contratuais. Uma das principais características desse instituto é justamente a celeridade.

É preciso ressaltar, porém, que na arbitragem não existe recurso e no Judiciário sim. A pesquisa trata do tempo de tramitação dos processos em primeira instância. As partes ainda podem recorrer para a segunda instância e aos tribunais superiores.

Outro ponto que chama a atenção na pesquisa é a percepção de advogados e magistrados de que a questão do tempo ainda deixa a desejar. Questionados sobre os principais pontos negativos das varas empresariais, 36,2% dos profissionais participantes responderam morosidade.

“Embora quantitativamente os processos estejam mais céleres, essa celeridade ainda está aquém do que os advogados esperam”, contextualiza a pesquisadora.

Para medir qualidade e previsibilidade a pesquisadora usou as entrevistas com profissionais. Do total, 85,3% afirmaram que melhorou a qualidade das decisões. “E quando incitados a falar sobre os pontos positivos das varas empresariais a qualidade foi apontada por 90 dos advogados. É quase 80% da amostra. Ou seja, a qualidade, para eles, está excelente”, enfatiza.

Desembargadores responderam que reformam menos decisões de varas especializadas do que de varas generalistas. A percepção dos entrevistados em relação à previsibilidade das decisões também foi alta. Cerca de 70% afirmaram que houve melhora com as varas empresariais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) vem expandido a quantidade de varas empresariais e pretende, até o fim do ano, deixar todo o Estado coberto.

Já há, desde o mês de maio, mais uma dessas unidades em funcionamento. Foi instalada em Campinas, interior do Estado. No dia 18 deste mês será inaugurada outra no interior, com sede em São José do Rio Preto, e em setembro mais uma, na cidade de Ribeirão Preto.

“São varas de competência regional. Fomos instalando na medida em que verificamos as movimentações dos processos típicos da área empresarial”, diz Ricardo Anafe, presidente do TJSP.

Até o fim de setembro, além disso, afirma o presidente, será instalado um juizado especial empresarial na cidade de São Paulo – um convênio entre o tribunal, a Associação Comercial de São Paulo e a Universidade Mackenzie. Será direcionado a casos que discutem valores inferiores a 60 salários mínimos.

Também há previsão de instalação, até o fim do ano, de mais uma vara empresarial na capital. Todas as novas unidades serão inauguradas com o estoque zerado. Casos em andamento nas varas cíveis, permanecerão – não haverá redistribuição.

“As varas cíveis vão ter um alívio porque não vão mais receber essas demandas, mas o mais importante é o efeito da uniformização da jurisprudência, segurança jurídica e previsibilidade, além da brevidade nos julgamentos”, frisa Anafe.

Por conta dessa especialização, segundo o presidente, o tribunal tem atraído demandas de outros locais. “Duas empresas de fora de São Paulo estabeleceram em contrato o foro da capital para a resolução de seus conflitos.”

O TJSP foi o primeiro do país a ter câmaras empresariais – em segundo grau. Existem duas em funcionamento. Mas as varas, na primeira instância, demoraram a sair do papel. Uma regra imposta pelo próprio tribunal previa que novas instalações só se justificavam se constatado um mínimo de 1,8 mil processos novos por ano nas varas cíveis. Demandas específicas da área empresarial, porém, não alcançavam esse número.

As coisas mudaram, em 2016, a partir de um estudo sobre a complexidade desses processos: um caso empresarial corresponde a 2,09 cíveis comuns. Esse estudo foi elaborado pela Associação Brasileira de Jurimetria a pedido da Corregedoria do TJSP, que, na época, era comandada pelo desembargador Pereira Calças, especialista em Direito Comercial.

Os dados foram levados ao Órgão Especial, que deu o aval para a criação das primeiras varas. “No discurso de instalação bati muito na tecla de que o empresário, quando bate à porta do tribunal para ter a interpretação, por exemplo, de um contrato, está atrás de segurança jurídica. Porque para poder investir, ele precisa ter uma expectativa de como o tribunal se posiciona”, diz Calças.

Fonte: Valor Econômico, 1 de agosto de 2023

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