Uso de empresas de fachada para venda ilegal de dados entra na mira do governo

Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Senacon intensifica acompanhamento dos chamados “ilícitos de consumo” no ambiente digital

Murillo Camarotto

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, está investigando a comercialização de bancos de dados de informações pessoais disfarçadas de aquisições de empresas. Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o órgão está intensificando o acompanhamento de práticas que possam constituir os chamados “ilícitos de consumo” no ambiente digital. Há atualmente 34 processos administrativos em andamento na Senacon envolvendo o uso indevido de dados pessoais de usuários de plataformas digitais. Todos foram abertos antes do início da vigência da LGPD, mas refletem justamente o que será acompanhado com atenção redobrada a partir de agora: captura de informações, sem consentimento, para fins comerciais

Boa parte dos processos envolve as principais gigantes americanas de tecnologia. A plataforma de relacionamentos Tinder, por exemplo, é investigada por suposto compartilhamento, com várias empresas, de dados de localização, endereço IP, idade e sexo dos usuários. O objetivo seria o aprimoramento de anúncios publicitários para esse público. À frente da Senacon desde agosto, Juliana Domingues lembra que processos como esse visam averiguar se a política de privacidade das plataformas foi devidamente desenhada para deixar clara anuência quanto ao compartilhamento dos dados.

O Facebook, por exemplo, foi multado em R$ 6,6 milhões por ter adotado de forma considerada abusiva uma prática conhecida como “opt-out”, que é quando o usuário fornece dados para cumprir uma determinada tarefa, como uma compra, mas as informações acabam sendo aproveitadas para outros fins. A Senacon entendeu que a plataforma não adotou medidas para “evitar exposição desses dados a desenvolvedores nocivos”. A empresa preferiu não se manifestar. Também tramitam no órgão averiguações preliminares e processos envolvendo a Apple e o Google, este por uso de endereços de e-mail para publicidade segmentada e aquela por problemas de privacidade quanto ao armazenamento de dados no assistente de voz Siri. Há ainda o caso de uma rede varejista que estaria fazendo a identificação facial dos clientes que entram na loja sem o consentimento exigido. Apple e Google não haviam respondido até a conclusão desta edição.

Sobre o comércio ilegal de bancos de dados pessoais, disfarçados de aquisições de empresas, a Senacon ainda mantém em sigilo os nomes dos investigados. A secretária, no entanto, adianta que algumas operações desse tipo estão sendo acompanhadas. O setor bancário é outro foco de atenção. Domingues lembra que a Senacon se posicionou a favor do “open banking”, como é chamado pelo Banco Central o sistema de compartilhamento de dados, informações e serviços financeiros pelos clientes em plataformas de tecnologia. O objetivo é proporcionar acesso a melhores taxas, prazos e serviços financeiros, desde que o compartilhamento seja autorizado.

O órgão, no entanto, notificou as instituições financeiras para que fossem ajustadas as informações sobre portabilidade das contas, que é a operação que possibilita a migração de um banco a outro. Na avaliação da Senacon, essas instruções estavam escondidas nos sites dos bancos. Há duas semanas, após queixa pública do presidente Jair Bolsonaro, a secretaria notificou produtores de alimentos e supermercados sobre as altas nos preços de itens da cesta básica, com destaque para o arroz. Os notificados pediram mais prazo para responder aos questionamentos.

O pedido foi feito em reuniões nesta semana entre a Senacon e representantes do Ministério da Agricultura, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Segundo Domingues, todas as entidades se comprometeram a colaborar. A expectativa é que as informações sobre os fatores que motivaram as altas nos preços sejam entregues até amanhã.

Fonte: Valor Econômico, 24 de setembro de 2020

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