TST considera declaração do trabalhador suficiente para conceder justiça gratuita

Para alguns advogados, a decisão tem potencial para gerar uma nova onda de judicialização na Justiça do Trabalho

Luiza Calegari

O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que basta a apresentação de declaração de hipossuficiência econômica (pobreza) para o juiz conceder ao trabalhador o benefício da justiça gratuita — que isenta a parte do pagamento de custas judiciais. O placar do julgamento foi de 14 votos a 10.

Os ministros entenderam que a declaração tem presunção de veracidade e cabe à parte contrária comprovar sua invalidade. Para alguns advogados, a decisão tem potencial para gerar uma nova onda de judicialização na Justiça do Trabalho. Para outros, apenas reitera a jurisprudência dominante e, assim, o volume de ações não deve aumentar (RR 277-83.2020.5.09.0084).

No ano de 2017, a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467) alterou o artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para determinar que os magistrados poderiam conceder justiça gratuita a quem recebesse salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios da Previdência. Hoje, esse valor é de R$ 3.114, 40.

Segundo o relator do caso no TST, ministro Breno Medeiros, isso significa que a situação de miserabilidade, que justifica a concessão de justiça gratuita, só pode ser considerada verdadeira se o requerente tiver remuneração abaixo do limite instituído pela reforma. Sua corrente foi acompanhada por outros 9 ministros.

Prevaleceu a divergência, aberta por Luiz José Dezena da Silva e acompanhada por 13 ministros. Segundo a corrente vencedora, a declaração de pobreza, como é informalmente conhecida, basta para concessão da justiça gratuita, cabendo à parte oposta apresentar prova em contrário, se for o caso.

Realizado na segunda-feira, o julgamento terminou, contudo, sem que os ministros definissem os parâmetros para essa prova, e a redação final da tese ficou para a próxima sessão do Pleno.

Análise

Alguns advogados acreditam que a judicialização vai aumentar. Para Jorge Matsumoto, sócio do Bichara Advogados, “a decisão incentiva em muito a litigiosidade trabalhista, a despeito dos esforços feitos pelo ministro Luís Roberto Barroso, no CNJ [Conselho Nacional de Justiça], para diminuí-la”. Segundo ele, a redução de custo para os trabalhadores vai pesar no bolso das empresas, que “em caso de derrota em uma ação, podem ser obrigadas a arcar com determinadas despesas processuais”.

O aumento do volume de ações também é o resultado esperado pela sócia trabalhista do Trench Rossi Watanabe, Clarissa Lehmen. Segundo ela, é possível que a demanda que ficou reprimida por causa das alterações trazidas pela reforma agora venha à tona. “Segundo a lógica, o volume de processos deve aumentar”, pontua.

Por outro lado, segundo Luana Couto, advogada trabalhista da Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria, a possibilidade de aumento da judicialização é limitada. “A jurisprudência majoritária já adotava a declaração de hipossuficiência para fins de comprovação da insuficiência econômica da parte, bem como sua presunção de veracidade”, afirma.

O advogado Mauro de Azevedo Menezes, do Mauro Menezes & Advogados, que representou o trabalhador no processo do TST, entende da mesma forma. “Se prevalecesse a tese contrária haveria uma redução brutal do acesso à Justiça com a cristalização de situações de ilegalidade que jamais seriam corrigidas pelo Judiciário”, diz. “O desejo das leis não é respaldar sonegação de direitos. Nada é resolvido se o titular de um direito fica impedido de ter acesso ao Judiciário por razões econômicas.”

Embora a jurisprudência não estivesse pacificada nos tribunais regionais, a maioria das turmas do TST já aplicava esse entendimento. O tema é tratado na Súmula nº 463, inciso I do próprio TST. Em precedentes deste ano, levantados por Clarissa Lehmen, a 2ª Turma do TST destaca a consolidação da jurisprudência neste sentido (RR 0010161-33.2020.5.03.0043). A 3ª Turma aplicou o entendimento de que simples declaração é prova apta para demonstrar a impossibilidade de pagar custas processuais, mesmo após as alterações promovidas pela reforma trabalhista (RR 0092840-90.2002.5.01.0071).

O precedente do Plenário do TST só terá aplicação efetiva após a fixação da tese, prevista para o dia 25 de novembro.

O advogado Jorge Matsumoto aponta que dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) podem ser usados para questionar a declaração. O artigo 98, por exemplo, aponta ele, permite uma análise mais aprofundada da declaração de insuficiência de recursos. O parágrafo 2º do artigo 99 estabelece que o juiz pode indeferir o pedido de gratuidade se houver indícios nos autos de que o reclamante tem capacidade econômica. O artigo 100, por fim, prevê que a gratuidade pode ser revogada a qualquer momento se for comprovada fraude ou mudança na situação financeira.

Assim, segundo Matsumoto, “o julgamento do TST flexibiliza o acesso ao benefício, mas o CPC e a CLT oferecem ferramentas para que as empresas, em situações específicas, contestem essa concessão”.

Segundo Mauro Menezes, no caso julgado, não há discussão de constitucionalidade que permita um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas há outra ação sobre o tema, lembra Clarissa Lehmen, no STF: a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 80, sob relatoria do ministro Luiz Edson Fachin. Não há data prevista para o julgamento, mas um entendimento do STF poderá afetar os processos na Justiça Trabalhista no futuro.

Fonte: Jornal Valor Econômico, 15 de outubro de 2024

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