Entendimento foi adotado por sete das oito turmas que analisaram a questão
Adriana Aguiar
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem entendido que mesmo trabalhadores com direito à justiça gratuita devem pagar honorários sobre valores de pedidos negados pelos juízes – a chamada sucumbência. Sete das oito turmas já analisaram a questão e adotaram esse posicionamento, segundo pesquisa realizada pelo escritório Da Luz, Rizk & Nemer, a pedido do Valor.
Os trabalhadores, em geral, são condenados pelo TST a pagar 5% da verba não concedida. Esses valores devem ser descontados do que receberiam das empresas ou até mesmo de créditos obtidos em outros processos. A questão é discutida em cerca de 1,07 milhão de ações, segundo levantamento da DataLawyer.
Antes da reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), o trabalhador não pagava honorários de sucumbência ao advogado da empresa. Agora, está sujeito a ter que desembolsar de 5% a 15% sobre as verbas não concedidas pela Justiça, segundo o artigo 791-A da norma.
No parágrafo 4º do mesmo artigo, a lei ainda estabelece que caso o trabalhador com acesso à Justiça gratuita obtenha em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, este deve arcar com o pagamento dos honorários sucumbenciais.
Os defensores da medida entendem que é essencial para evitar o que chamam de “processos aventureiros”. Até então, os trabalhadores entravam com vários pedidos por não terem nada a perder. Para os representantes de trabalhadores, porém, a cobrança inibe o acesso à Justiça, principalmente dos mais pobres.
Para o advogado de empresas Alberto Nemer, que coordenou a pesquisa sobre a jurisprudência, os honorários de sucumbência “vieram trazer responsabilidade para o trabalhador e mostrar que a Justiça do Trabalho não é palco para aventuras judiciais”. “Se o empregado realmente pedir o que é devido, nada vai pagar”, acrescenta.
Já na opinião da advogada e professora da PUC-SP, Fabíola Marques, essa previsão da reforma que tem sido aplicada no TST traz um enorme prejuízo ao trabalhador. “Não faz sentido descontar esses valores do que o trabalhador tem para receber, que são verbas salariais, de natureza alimentar, algo que é necessário para a sobrevivência dele”, diz.
Após a entrada em vigor desse dispositivo, segundo Fabíola, se o trabalhador percebe que terá dificuldade de provar o pedido, mesmo que entenda que seu direito foi violado, resolve não correr o risco.
Apesar da previsão em lei, alguns tribunais regionais preferem não aplicar a reforma e tem declarado esse ponto inconstitucional. É o caso, por exemplo, do TRT do Espírito Santo. A 5ª Turma, ao analisar o caso, reformou a decisão.
O relator, ministro Breno de Medeiros, entendeu que o regional ao decidir que os honorários fixados em favor da empresa não podem atingir os créditos do beneficiário da justiça gratuita, ainda que em outro processo, suspendendo então a sua exigibilidade, está em desacordo com o que prevê a reforma trabalhista (processo nº 716-86.2018.5.17.0005). A decisão foi publicada no dia 30 de abril.
Segundo Alberto Nemer, que assessora a empresa de transporte no processo, o motorista que entrou com ação pedia cerca de R$ 150 mil contra a empresa. Pela decisão, ele teria direito a receber cerca de R$ 5 mil, mas foi condenado a pagar R$ 7,5 mil de honorários. “O empregado não vai poder levantar nenhum valor e ainda tem uma dívida com a empresa, que pode localizar o restante em outros processos”, diz.
Em outro caso, a 3ª Turma do TST, por unanimidade, condenou ex-trabalhador de um frigorífico a pagar 5% de honorários. O relator, ministro Alberto Bresciani, destaca na decisão que, ainda que a lei tenha previsto expressamente ao litigante hipossuficiente a obrigação de pagar a verba honorária, considerou apenas duas hipóteses de incidência: o recebimento de valores em juízo, ou a comprovação da alteração das condições econômicas, no prazo de dois anos.
De acordo com Bresciani, “nessa perspectiva, tenho comigo que a obrigação criada pela nova lei respeita as peculiaridades do beneficiário da justiça gratuita, pois institui regra própria, a qual, ainda que diversa da anterior, impõe limite à cobrança da verba honorária, segundo as possibilidades da parte para a quitação”.
Para o ministro, “não há que se falar em lesão ou desrespeito aos princípios da dignidade ou da isonomia, na medida em que as partes foram tratadas pelo legislador segundo a medida de suas desigualdades” (processo nº 1195-45.2017.5.23.0006).
A última palavra sobre o tema, contudo, ainda será dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio de 2018, os ministros começaram a analisar a questão, por meio de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5766) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Por enquanto, foram proferidos apenas dois votos, em sentidos diferentes. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou a favor da manutenção da previsão da reforma trabalhista, mas com limites.
Ele entendeu que a cobrança de honorários sucumbenciais do hipossuficiente poderá incidir sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, e sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do Regime Geral de Previdência Social, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias. Segundo a votar, o ministro Edson Fachin considerou a questão inconstitucional.
Para a advogada Mayra Palópoli, essa limitação em 30% dos valores recebidos pode ser um meio termo, uma vez que tanto as verbas obtidas pelos trabalhadores quanto os honorários são considerados créditos alimentares.
Fonte: Valor Econômico, 17 de maio de 2021