Decisão é da 2ª Turma, que determinou a reintegração de trabalhador por considerar que a dispensa foi discriminatória
Beatriz Olivon
A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou a reintegração de um supervisor administrativo da rede de supermercados Atacadão por considerar que a dispensa foi discriminatória em razão de obesidade mórbida e outras doenças associadas. A empresa também deverá pagar os salários do período de afastamento.
Essa é uma das primeiras decisões do TST sobre “gordofobia”. Havia, até então, apenas um precedente de 2018 em que não foi determinada a reintegração. Os ministros apenas elevaram o valor de indenização por dano moral.
Existem hoje 645 processos trabalhistas que trazem a expressão “gordofobia”, propostos desde 2016, segundo dados fornecidos pelo Data Lawyer, plataforma de jurimetria. O assunto ganhou relevância durante a pandemia. Em 2020, 2021 e 2022, foram distribuídos 223 processos. E, neste ano, até ontem, 290. O valor total das causas chega a R$ 109,30 milhões.
A maioria ainda está pendente de julgamento (44,10%). Outros 116 (18,01%) foram julgados parcialmente procedentes e 38 (5,90%) improcedentes. Foram feitos acordos em 160 deles (24,84%).
No caso julgado pela 2ª Turma do TST, o supervisor atuava em São Paulo como líder do setor de manutenção e foi dispensado em 2017, após 12 anos de trabalho. Na ação consta que o trabalhador, com 1, 65 metro de altura, pesava mais de 200 quilos e tinha problemas cardíacos, pressão alta, diabetes e depressão, entre outros.
No processo, alegou que, depois de tirar uma licença de saúde em 2015, passou a ser discriminado, segregado das atividades corriqueiras e destratado pela chefia. No desligamento, foi informado pelo gerente que o motivo era a saúde, o estado físico e o peso. Primeira e segunda instâncias, porém, afastaram a alegação de dispensa discriminatória, por falta de comprovação.
No STJ, a relatora do recurso do supervisor, ministra Maria Helena Mallmann, destacou que, além de a obesidade mórbida servir de gatilho para o aparecimento de outras doenças, faz com as pessoas enfrentem ainda grave estigma social.
No voto, a ministra ressaltou que tanto a Constituição quanto a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) repudiam todo tipo de discriminação e reconhecem como direito do trabalhador a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária.
Na decisão, o TST considerou que, de acordo com o processo, o empregador tinha pleno conhecimento do quadro de saúde do trabalhador e da probabilidade de novos afastamentos, em especial quanto à possível indicação de cirurgia bariátrica. Nessas circunstâncias, caberia à empresa demonstrar que a dispensa tinha motivação lícita, o que não ocorreu (processo nº 1000647-66.2017.5.02.0077).
Há pelo menos mais um precedente, da 6ª Turma. Naquele caso, julgado em 2018, os ministros decidiram aumentar a indenização por danos morais de R$ 15 mil para R$ 30 mil a uma cozinheira que era frequentemente ofendida e humilhada pela nutricionista da empresa.
Segundo Poliana Banqueri Guimarães, do escritório Peixoto & Cury Advogados, a súmula do TST que prevê a possibilidade de reintegração em caso de dispensa discriminatória busca proteger o trabalhador que tem doença que causa estigma ou preconceito. “Há, nesses casos, uma presunção [que pode ser afastada com provas] de que a empresa dispensou o trabalhador em razão desse preconceito e que ele sofreria para se recolocar no mercado de trabalho”, diz.
Matheus Gonçalves Amorim, sócio do SGMP Advogados, destaca que, apesar da matéria específica (gordofobia) ser relativamente nova na Justiça do Trabalho, a discussão toma como base o princípio da vedação às condutas discriminatórias no ambiente de trabalho, algo que já existe desde 1995, pela Lei nº 9.029.
Procurado pelo Valor, o Atacadão informou que só vai se manifestar depois da publicação da decisão.
Fonte: Valor Econômico, 15 de dezembro de 2023