TST autoriza bloqueio de cartão de crédito de devedor trabalhista

Decisão é o primeiro precedente da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) favorável à aplicação de medidas atípicas

Beatriz Olivon

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou a suspensão dos cartões de crédito de um devedor e proibiu a emissão de novos até a quitação integral do débito. É o primeiro precedente do colegiado para a aplicação dessa medida atípica em execução (cobrança) trabalhista.

A possibilidade de adoção de medidas atípicas – o que pode incluir ainda bloqueio de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte – está prevista no artigo 139, inciso IV, Código de Processo Civil (CPC) de 2015. O dispositivo já foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em fevereiro, os ministros do STF julgaram válida a aplicação dessas medidas coercitivas, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (ADI 5941).

No caso julgado pela SDI-2, a ordem de suspensão dos cartões de crédito e de proibição de emissão de novos foi considerada ponderada diante das circunstâncias. Hoje, na Justiça do Trabalho, cerca de sete mil processos discutem a adoção dessa medida, de acordo com levantamento realizado pela empresa de jurimetria Data Lawyer.

O mesmo colegiado já havia decidido, em outros três casos, pela impossibilidade de suspensão de cartão de crédito. A questão ainda poderá ser julgada pela SDI-1, que uniformiza a jurisprudência das turmas do TST e tem composição diferente. Nas turmas, foram localizadas cinco decisões pela Coordenadoria de Jurisprudência do TST, que analisaram apenas questões processuais, sem entrar no mérito.

No julgamento, os ministros da SDI-2 destacaram que o caso não trata de mera insolvência. Levaram em consideração que a reclamação trabalhista tramita há cinco anos e durante esse período foram tentados, sem sucesso, todos os meios executivos usuais – pedidos de penhora e inscrição em cadastros de inadimplentes, entre outros.

De acordo com eles, o devedor não manifestou interesse algum em efetuar o pagamento do débito. “A inação do devedor acena para a possibilidade de adoção de medida atípica, capaz, pois, de fomentar o seu interesse na busca por alternativas para o adimplemento da obrigação”, afirma o relator, ministro Luiz José Dezena da Silva (ROT-838-97.2022.5.09.0000).

Na decisão, o relator destaca que o STF reconheceu a validade do dispositivo que autoriza medidas coercitivas, indutivas ou sub-rogatórias voltadas a garantir a efetividade da decisão judicial. E que a jurisprudência do TST já admitia a adoção delas, desde que o juiz tivesse observado os parâmetros necessários de adequação, razoabilidade e proporcionalidade dessas medidas frente às causas que levam à insolvência do executado.

A jurisprudência do TST, acrescenta, entende que a mera insolvência do devedor não basta para autorizar o uso de medidas atípicas de execução fundamentadas no artigo 139, IV, do CPC de 2015. “O caso concreto, todavia, não retrata a situação de que o ato coator tenha decorrido da mera insolvência”, diz o relator.

Em abril, os ministros da SDI-2 negaram um pedido de bloqueio de cartão de crédito e suspensão de CNH de devedores. Os julgadores seguiram, por unanimidade, o voto do relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues.

Para ele, essas medidas só devem ser aplicadas em caráter excepcional ou subsidiário, quando as vias típicas [de execução] não viabilizarem a satisfação do crédito – tentativas de bloqueio de dinheiro, automóvel, imóvel ou outros bens.

Além disso, afirma o relator em seu voto, deve ficar claro que há ocultação de patrimônio e que o devedor possui condições de quitar o débito, “diante da existência de sinais exteriores de riqueza”. No caso julgado, segundo o ministro, não foram preenchidos esses requisitos (ROT-1087-82.2021.5.09.0000).

Segundo Tomaz Nina, advogado trabalhista e sócio da Advocacia Maciel, a SDI-2 já havia sinalizado que pode ser realizado o bloqueio de cartão de crédito quando o executado se recusa a efetivamente pagar uma dívida trabalhista. “Não é uma medida comum, precisa ter prova de que o devedor está desobedecendo decisão judicial”, afirma.

O advogado Ricardo Calcini, do Chiode Minicucci Advogados – Littler Global, explica que o bloqueio de cartões dificulta o acesso ao crédito e, desse modo, tem o mesmo objetivo do protesto da decisão judicial e inclusão do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito e no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT) – que são amplamente adotadas na execução trabalhista.

“No caso concreto, o executado não manifestou nenhum interesse em efetuar voluntariamente o pagamento da dívida trabalhista. Essa inação reafirma a possibilidade de adoção de medida atípica, capaz, pois, de fomentar o seu interesse na busca por alternativas para o adimplemento da obrigação”, diz Calcini. “A SDI-2 concluiu que a apatia do devedor é incompatível com a finalidade da execução, que é efetivar a decisão judicial.”

Fonte: Valor Econômico, 28 de junho de 2023

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