Decisão vale para ações em andamento em setembro de 2018
Adriana Aguiar
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) admitiu, pela primeira vez, que uma empresa condenada por terceirização considerada ilícita reabra a discussão do caso por meio da chamada ação rescisória. A decisão, unânime, foi dada pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2).
O julgamento, segundo especialistas, é um importante precedente para outras empresas condenadas por terceirização ilícita. Principalmente, as obrigadas a pagar indenizações milionárias em ações civis públicas do Ministério Público do Trabalho (MPT) ou sindicatos.
Essa possibilidade, no entanto, de acordo com o TST, só vale para processos que estavam em andamento em 10 de setembro de 2018, quando foi publicada a ata do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). No mês anterior, os ministros estabeleceram a legalidade da terceirização ampla e irrestrita – inclusive da atividade-fim (principal) da empresa (ADPF 324 e RE 958.252).
Especialistas lembram, ainda, que a ação rescisória só pode ser ajuizada em até dois anos do trânsito em julgado do processo (quando não cabe mais recurso).
Luiz Eduardo Amaral, do FAS Advogados, considera a decisão importante por abrir a possibilidade de as empresas reverem as condenações. “Há como rescindir as ações trabalhistas que declararam fraude na terceirização, especialmente aquelas que se basearam na atividade-fim da tomadora de serviços”, diz.
Mesmo após o julgamento do Supremo, destaca Amaral, as empresas continuaram a ser condenadas, com base na Súmula nº 331 do TST, que proíbe a terceirização da atividade-fim da empresa. O texto ainda não foi anulado pela Corte trabalhista, mesmo com o trânsito em julgado da ADPF 324 – o RE 958.252 ainda está pendente de recurso.
No caso julgado pelo TST, os ministros consideraram cabível a ação rescisória ajuizada pela Callink Serviços de Call Center. O processo originário tinha sido ajuizado em 2015 por uma atendente de call center contratada para prestar serviços para o Santander. Em 2018, quando o STF decidiu pela licitude da terceirização, o processo ainda estava em andamento.
Ao analisar o caso, a 3ª Vara do Trabalho de Uberlândia (MG) considerou ilícita a terceirização e reconheceu o vínculo de emprego diretamente com o banco, condenando as duas empresas ao pagamento das parcelas inerentes à categoria dos bancários. A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG).
Em outubro de 2019, após o trânsito em julgado do caso, a Callink ajuizou a ação rescisória com a alegação de que condenação teria desconsiderado o entendimento vinculante do STF, de 30 de agosto de 2018, que legitimou a terceirização.
O TRT negou o pedido da empresa por entender que não caberia ação rescisória, já que a decisão vinculante do Supremo não tinha transitado em julgado na época, com base no parágrafo 15 do artigo 525 do Código de Processo Civil (CPC). A empresa então recorreu ao TST.
Em seu voto, a relatora, ministra Morgana Richa, entendeu, porém, que a decisão do STF é de aplicação imediata e se torna vinculativa a partir da publicação da ata de julgamento da sessão plenária, o que ocorreu em 10 de setembro 2018.
A relatora considerou cabível a ação rescisória com base no artigo 966, inciso V, do Código de Processo Civil. Segundo o dispositivo, a decisão transitada em julgado pode ser rescindida quando “violar manifestamente norma jurídica”. No caso, a violação seria deixar de aplicar o entendimento vinculante do STF (ROT-11492-19.2019.5.03.0000).
De acordo com o advogado que assessora a Callink, Vinicius Costa Dias, do Dias Advogados Assessoria Jurídica Empresarial, o julgamento “é um marco a favor da necessária obediência à decisão soberana do Supremo”.
Dias ressalta que existem debates, especialmente na esfera dos tribunais regionais, sobre a admissão dessas rescisórias. “Mas o CPC garante o direito de ação, preconiza o direito de se interpor o processo rescisório justamente para desconstituir sentenças ou acórdãos, já com trânsito em julgado, que tenham se baseado em súmulas ou atos normativos considerados posteriormente inconstitucionais”, diz.
Para o advogado Ricardo Calcini, sócio-consultor de Chiode Minicucci Advogados – Littler Global, pela lógica do artigo 525, parágrafo 15, do CPC, não seria cabível a ação rescisória, pois o trânsito em julgado do caso concreto ocorreu após a decisão vinculante do STF. Por isso, diz, a grande novidade do precedente está no fato de o TST admitir o cabimento da ação rescisória por outro fundamento – o artigo 966, inciso V, do CPC -, por representar violação manifesta de norma jurídica.
A advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados, contudo, afirma que ficou assustada com a decisão. Isso porque esses processos em andamento em 2018 tratam de situações muito anteriores a 2017, quando a terceirização foi regulamentada pela Lei da Terceirização e a Reforma Trabalhista. “Naquela época era uma infração, a terceirização era ilícita. Fazendo um paralelo, a lei penal não pode retroagir, salvo se beneficiar o réu. O mesmo deveria acontecer na esfera trabalhista”, diz.
Fonte: Valor Econômico, 23 de março de 2023