TRT-SP julga ações do MPT e reconhece vínculo de emprego com aplicativos

A palavra final sobre o assunto, porém, virá do Supremo Tribunal Federal

Luiza Calegari

O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) condenou ontem o iFood a registrar todos os entregadores que atuam para a plataforma, sob pena de multa de R$ 5 mil por infração. A decisão, da 14ª Turma, foi dada em uma das 11 ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em alguns Estados, contra empresas de entrega, transporte de passageiros e “crowdwork”, que conectam clientes e trabalhadores. Cabe recurso da decisão.

Essa é a quarta vitória do Ministério Público no TRT-SP. Além do iFood, Rappi, Levoo e Ixia (crowdwork) foram condenados pelos desembargadores a registrar trabalhadores. No país, existem inúmeras decisões judiciais de primeira e segunda instâncias com entendimentos divergentes, para condenar ou não as empresas. A palavra final sobre o assunto, porém, virá do Supremo Tribunal Federal (STF).

No STF, os ministros devem definir o assunto por meio do julgamento do caso de uma motorista que pede o reconhecimento de vínculo com o Uber. O relator, ministro Edson Fachin, convocou uma audiência pública para os dias 9 e 10 (RE 1446336). Além disso, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei complementar para regulamentar a atividade dos motoristas de aplicativo (PLP nº 12/2024), enviado pelo governo federal.

No TRT, a decisão da 14ª Turma foi dada em recurso do MPT. O órgão alegou que, com base nas atividades desenvolvidas pela plataforma, estariam preenchidos os requisitos para reconhecimento de vínculo. Além do registro formal dos trabalhadores, pediu indenização por danos morais coletivos (processo nº 1000100-78.2019.5.02.0037).

Em seu voto, o relator, desembargador Ricardo Ballarini, deu parcial provimento ao recurso, condenando a empresa ao pagamento de R$ 10 milhões por “compensação pecuniária”, além de obrigar o registro de todos os trabalhadores, sob pena de multa. A jornada de trabalho dos entregadores, segundo a decisão, tomada por maioria de votos, deve ser contada do momento em que a chamada é aceita até o momento em que é encerrada.

Luiz Carlos Amorim Robortella, do Robortella Peres Advogados, que defende o iFood no processo, informou que a empresa vai recorrer ao TST, “com base na ampla jurisprudência divergente”. “É razoável estender alguma proteção aos entregadores. Mas o excesso de proteção num caso como esse pode prejudicar os trabalhadores e a sociedade, porque é impossível ter tantos empregados assim. Não é nem utópico, é distópico”, diz.

Em nota ao Valor, o iFood afirma que “o posicionamento destoa de decisões recentes do próprio TRT-SP e gera insegurança jurídica para o setor de delivery ao estabelecer um modelo de vínculo empregatício por hora trabalhada, que não tem previsão na legislação atual e que não seria viável diante da dinâmica flexível e autônoma do trabalho por aplicativo”.

A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas de transporte e entrega, como Amazon, Uber, iFood e 99, também defende que a decisão causa insegurança tanto para a plataforma quanto para os entregadores.

A determinação sobre o cálculo da jornada divide especialistas. Sérgio Pelcerman, sócio do Almeida Prado & Hoffmann Advogados, diz que o exercício de atividade externa é caracterizado como regime de exceção pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A exigência do TRT-SP, acrescenta, obrigaria as empresas a “monitorar o tempo de entrega, atividades efetivamente realizadas, além de fiscalizar e controlar horas extras, o que afastaria totalmente a autonomia do prestador”.

De acordo com Meilliane Pinheiro Vilar Lima, do LBS Advogadas e Advogados, a dinâmica se enquadra no modelo de trabalho intermitente, do artigo 443 da CLT. Ela lembra, porém, que esse modelo exclui a remuneração pelo tempo de descanso. “Na perspectiva dos direitos trabalhistas e dos direitos humanos, não é bom, mas é o que está na lei. E pelo menos garante que o trabalhador receba férias, 13º salário, tenha cobertura previdenciária”, afirma.

Ruth Pinto Marques da Silva, procuradora do MPT que atuou no processo do iFood, defende que a proteção dos empregadores é importante até mesmo no aspecto econômico. “É preciso haver uma regulação, mas por enquanto não temos, e até lá não dá para deixar as pessoas trabalhando de forma precarizada, é desumano. Até porque, quando há um acidente, o custo do atendimento é pago pela sociedade.”

O entendimento da 14ª Turma foi em sentido oposto ao da 3ª Turma, que julgou na terça-feira uma ação civil pública com o mesmo teor, tendo como parte a 99. Nesse caso, a relatora, desembargadora Magda Cardoso Mateus Silva, defendeu a existência de subordinação jurídica para a configuração de vínculo de emprego, mas ficou vencida (processo nº 1001384-45.2021.5.02.0072).

O MPT, em nota ao Valor, informa que vai “avaliar a interposição de recurso em face do acórdão”. A 99 considerou positiva a decisão que, segundo a empresa, alinha-se aos posicionamentos de outros tribunais de segunda instância, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do entendimento predominante já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o diretor jurídico da Amobitec, André Porto, “o mais relevante é que a Justiça do Trabalho reconheceu que o vínculo tradicional não se adequa a essa realidade, não apenas por não estarem presentes os requisitos jurídicos, mas também os requisitos fáticos”.

As ações fazem parte de um pacote de processos que o MPT moveu a partir de 2018 contra plataformas de intermediação de serviços nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. O único processo que já transitou em julgado foi contra a Cabify, no Rio de Janeiro. Ele foi extinto sem resolução de mérito depois que a empresa anunciou que deixaria o Brasil, em 2021 (processo nº 0101136-58.2019.5.01.0022).

Em São Paulo, sete de oito processos já foram julgados em segunda instância e em quatro houve a determinação de registro de trabalhadores. Falta ser analisado pelos desembargadores processo contra o Uber.

Na primeira instância, o juiz acolheu os argumentos do MPT e multou a empresa em R$ 1 bilhão, além de condená-la a reconhecer o vínculo de motoristas. No TRT-SP, o julgamento está marcado para a próxima quarta-feira (processo nº 1001379-33.2021.5.02.0004).

Além da 99, a Loggi e a Lalamove, ambas do setor de entregas, conseguiram decisões favoráveis no TRT-SP. Em, seu voto, a relatora do caso da Lalamove, desembargadora Maria Inês Ré Soriano, afirma que “não há como acolher a pretensão de reconhecimento de vínculo empregatício, eis que não se encontram preenchidos os requisitos exigidos para tanto na legislação vigente” (processo nº 1001414-44.2021.5.02.0084).

Já no Paraná, foi julgado o caso do aplicativo Parafuzo, de faxina, limpeza e serviços domésticos. O juízo de primeiro grau deu decisão favorável à empresa, mas o TRT-PR cassou a decisão e declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para analisar o tema (processo nº 0000198-92.2021.5.09.0012). Em Minas Gerais, a ação contra a Shippify, de entregas, ainda não foi julgada em primeira instância (processo nº 0010236-32.2024.5.03.0108).

Fonte: Valor Econômico, 5 de dezembro de 2024

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