Tradicional churrascaria Dinho’s quer funcionar em um sobrado que faz parte de um condomínio residencial
Adriana Aguiar
Moradores de um edifício residencial no Jardim América, bairro nobre da capital paulista, conseguiram impedir no Judiciário a instalação de uma unidade da tradicional churrascaria Dinho’s em um sobrado que, embora totalmente independente, faz parte do condomínio. Sentença favorável foi confirmada recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
O sobrado de 460 metros quadrados pertence ao advogado José Marcelo Braga Nascimento, que já utilizou o imóvel para abrigar o seu escritório, o Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados. Está localizado na Rua Barão de Capanema – nos fundos do Condomínio Edifício Dolores.
Os moradores alegaram na Justiça que a convenção do condomínio não permite a instalação de restaurante no local, por não estar listado no artigo 66. O dispositivo traz as atividades comerciais permitidas, que vão desde comércio de luxo ou de produtos “de consumo excepcional, raro e requintado”, como artigos de artesanato e antiguidades, até “comércio especializado para profissionais”, como instrumentos dentários, eletrônicos ou médicos, e escritórios de serviços profissionais.
Para a advogada Paula dos Santos Nogueira, do Abe Advogados, que assessora os moradores, a convenção do condomínio é clara. “Ela permite fins comerciais. Mas que sejam adequados e compatíveis para não incomodar a vizinhança e os condôminos. E restaurante não está na previsão das atividades comerciais que podem ser exercidas ali”, diz.
Um restaurante no local, acrescenta a advogada, poderia causar transtornos. Haveria, afirma, carga e descarga de mercadorias e grande movimentação de veículos, além do cheiro de gordura da cozinha.
Ela lembra que a convenção deve ser obrigatoriamente seguida por todos os condôminos, conforme estabelece o artigo 1.333 do Código Civil. “A doutrina também é muito clara ao dizer que a convenção condominial é a regra que rege as relações entre os particulares e não pode ser alterada unilateralmente”, diz.
Da decisão do TJSP ainda cabe recurso. Mas como os tribunais superiores não podem rever provas, a advogada considera ser difícil reverter o entendimento dos desembargadores.
No processo, o advogado José Marcelo Braga Nascimento e o restaurante Dinho’s alegaram que a convenção está desatualizada em relação à dinâmica urbana da região dos Jardins, onde há grande movimentação de pessoas e exploração das mais diversas atividades comerciais.
De acordo com eles, a proibição impede o livre exercício da propriedade para instalação de atividade lícita no local. Ainda acrescentam que o restaurante já tomou diversas medidas no imóvel para evitar a dispersão de ruídos ou odores e que a atividade não prejudicará os vizinhos.
A sentença favorável ao condomínio foi obtida em agosto de 2021. O juiz Guilherme Ferfoglia Gomes Dias, da 25ª Vara Cível de São Paulo, entendeu que a enumeração minuciosa das atividades admitidas na unidade nº 101 (sobrado) “torna evidente que se trata de rol taxativo (e não exemplificativo)”. De acordo com ele, a coletividade condominial definiu um tipo de ocupação para a unidade nº 101 no qual certamente o serviço prestado pelo Dinho’s não se enquadra.
Agora a sentença foi mantida pela 25ª Câmara de Direito Privado. Os desembargadores consideraram que não havia nada a ser modificado. Em seu voto, o relator, desembargador Almeida Sampaio, afirma que “a convenção de condomínio é lei que rege a vida em comunidade” e que a alegação de que a vedação seria abusiva deve ser rejeitada, “eis que ela reflete o entendimento da maioria dos condôminos, devendo ser respeitada” (processo nº 1119299-47.2020.8.26.0100).
Em nota, o restaurante Dinho’s informa que alugou um imóvel comercial “de boa-fé em uma rua onde é permitido instalação de restaurante pela lei do zoneamento municipal, dentro de um bairro conhecido pelos inúmeros restaurantes e lojas”. Acrescenta que “o proprietário do imóvel é um advogado renomado, jamais mencionou qualquer impedimento, e o contrato de locação se baseia no uso específico do imóvel para fins de restaurante”.
A nota ainda afirma que a ação foi ajuizada no início da reforma do imóvel e que as obras foram concluídas dentro da segurança jurídica de uma decisão do próprio TJSP, que autorizou o prosseguimento das obras do imóvel para a finalidade específica de instalação de um restaurante. “No mínimo surpreendente o tribunal permitir uma reforma e depois impedir a abertura.”
Procurado pelo Valor, o advogado José Marcelo Braga Nascimento não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico, 19 de setembro de 2022