Supremo julgará questões tributárias com impacto de R$ 712 bilhões aos cofres públicos

Um dos casos mais aguardados, previsto para este mês, trata da exclusão do ISS do PIS/Cofins

Beatriz Olivon

Estão nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo menos 32 importantes processos tributários contra União, Estados e municípios, com impacto estimado de R$ 712 bilhões aos cofres públicos. Três deles estão pautados para este mês e o mais aguardado pelos contribuintes é o que surgiu com a chamada “tese do século”. Discute a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

O levantamento foi realizado pelo escritório Machado Associados e reúne processos que estão indicados no Anexo de Riscos Fiscais do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025. Apesar do valor ainda elevado do estoque, especialistas destacam que os casos mais relevantes já foram julgados pelos tribunais superiores nos últimos anos. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, tudo o que consta na LDO já teve o mérito analisado. Com isso, uma estimativa de impacto de R$ 80,4 bilhões foi reclassificada para “risco remoto”.

Um dos julgamentos tributários mais aguardados pelos contribuintes pode ser realizado no dia 28. O STF pautou um recurso sobre a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O julgamento pode ter impacto de até R$ 35,4 bilhões para a União, em caso de derrota.

A discussão tem como pano de fundo a “tese do século”, a retirada do ICMS da base do PIS e da Cofins, definida no ano de 2017. O caso também pode influenciar outras “teses filhotes”. Para os contribuintes, os motivos para excluir o ICMS valem para o caso do ISS. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), porém, discorda.

O tema também divide os ministros e ficou empatado, após oito votos, quando a questão começou a ser julgada no Plenário Virtual, em agosto de 2020 (RE 592616). Agora, com a transferência do caso para o plenário físico, o julgamento será reiniciado, mantendo-se os posicionamentos de ministros aposentados.

“Há uma expectativa grande dos prestadores de serviço, que aguardam uma definição há muitos anos”, diz a advogada Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados. Para ela, a perspectiva é boa, por ser bem similar à “tese do século”. Porém, acrescenta, em outras “teses filhotes”, como a que trata do PIS e da Cofins na própria base de cálculo (RE 1233096), com impacto estimado em R$ 65,7 bilhões, os contribuintes podem não ter sucesso.

A expectativa leva em conta o entendimento do STF no julgamento que considerou constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) – RE 1187264. “Esperamos ter, de fato, decisões que se aprofundem na particularidade de cada discussão, privilegiando a jurisprudência histórica do tribunal. Mas com relação a teses filhotes, a expectativa em geral não é boa”, afirma.

No mesmo dia em que foi pautada a exclusão do ISS da base do PIS e da Cofins, os ministros podem concluir a análise sobre a cobrança do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) de pessoas físicas – a contribuição previdenciária do setor (ADI 4395). Nesse caso, o impacto potencial é de R$ 20,9 bilhões. A exigência já foi julgada constitucional e a discussão agora concentra-se na chamada sub-rogação – cobrança antecipada, espécie de substituição tributária.

Ainda consta na pauta de agosto um caso que interessa a Estados e municípios. Os ministros podem definir se incide o ICMS ou o ISS sobre operações de industrialização por encomenda, quando essa operação for etapa intermediária do ciclo produtivo da mercadoria (RE 882461).

Os casos que podem ter maior impacto, segundo a LDO, porém, ainda não foram pautados. Entre eles está o que discute os limites de dedução de gastos com educação no Imposto de Renda, estimado em R$ 115 bilhões (ADI 4927), e o que trata da necessidade da edição de lei complementar para que seja cobrado o PIS/Cofins Importação, estimado em R$ 325 bilhões (RE 565886).

Dificilmente os processos indicados no Anexo de Riscos Fiscais deverão afetar as contas públicas em 2024, segundo Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos. Mesmo que itens pautados sejam julgados, afirma, eles só terão efeitos depois do trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso), o que dificilmente se daria ainda no segundo semestre.

Sbardelotto divide em três momentos as consequências dos julgamentos tributários. O mais imediato são as compensações – as empresas pedem os créditos que teriam a receber e utilizam para abater dos valores de impostos devidos. A Lei nº 14.873, de 2024, porém, lembra, passou a impor um limite para o uso desses créditos, para garantir maior previsibilidade na arrecadação.

Decisões tributárias, diz o economista, ainda tem efeito sobre o cálculo dos tributos. Se o STF definir que o ISS não integra a base do PIS e da Cofins, a Receita Federal terá que deixar de cobrar dessa forma, o que impacta a arrecadação futura. Com a reforma tributária, contudo, acrescenta, apesar de preservados os valores em relação ao passado, esse efeito não seria mais sentido.

O terceiro momento, de acordo com Sbardelotto, é o da devolução de valores pagos a maior por meio de precatórios, que tem sido também uma preocupação nos últimos anos. “Leva mais tempo para se concretizar, mas afeta significativamente o orçamento.”

Para Saul Tourinho Leal, sócio do Tourinho Leal Drummond de Andrade Advocacia, há uma pressão grande por parte da União para resultados em julgamentos que ajudem as contas públicas. A expectativa do tributarista para o segundo semestre, contudo, é que com a reforma tributária e a possibilidade de outras medidas por parte do governo quanto ao orçamento, o Judiciário não seja tão cobrado a resolver o problema das contas públicas, como vem ocorrendo.

“O Anexo de Riscos Fiscais mapeia, dentre outros, fatores que podem gerar custos para a União, a exemplo de decisões judiciais, particularmente, envolvendo questões tributárias”, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI). “São custos em potencial, em resumo, que devem ser acompanhados, um a um, com bastante atenção.”

Segundo Salto, em alguns casos, a Fazenda Nacional conseguiu vencer as disputas que poderiam implicar custos ou perda de arrecadação para a União, o que deve ser enaltecido. Ele destaca a discussão previdenciária sobre a “revisão da vida toda” e lembra da solução encontrada para minimizar o impacto da decisão que excluiu o ICMS na base do PIS e da Cofins, concretizada com a Lei nº 14592, de 2023. A norma determina a exclusão do ICMS na apuração de créditos das contribuições sociais.

No STJ, ainda que sem estimativa de impacto nem inclusão na LDO, chama a atenção da tributarista Maria Andréia dos Santos a discussão sobre a natureza dos planos de stock options para determinar a alíquota aplicável do Imposto de Renda e o momento de incidência do tributo (REsp 2069644).

A advogada Ariane Guimarães, sócia do escritório Mattos Filho, destaca outros temas relevantes que aguardam julgamento pelo STJ em recursos repetitivos. Um deles trata da possibilidade de restituição de valores pagos a maior à título de ICMS-ST (REsps 2034975, 2034977 e 2035550). Outro vai definir se a oferta de seguro garantia ou de fiança bancária pode suspender a exigibilidade de crédito não tributário (REsps 2007865, 2037317, 2037787 e 2050751).

Procurada pelo Valor, a PGFN não comentou o assunto.

Fonte: Valor Econômico, 2 de agosto de 2024

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