A maioria dos ministros entendeu pela necessidade de diálogo nesses casos
Adriana Aguiar
As empresas estão obrigadas a negociar com o sindicato dos trabalhadores antes de efetivarem demissões em massa. Contudo, caso não haja acordo, estarão liberadas para fazer as dispensas. Foi o que definiu, nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF), em repercussão geral. A maioria dos ministros entendeu pela necessidade de diálogo nesses casos.
O processo analisado é anterior à reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), que equipara a demissão coletiva à individual, dispensando a negociação. Por isso, os ministros não trataram do teor dessa previsão. Mas acharam uma solução para a questão, considerada acertada por advogados de empresas e trabalhadores. O diálogo é obrigatório, mas não impede as demissões em caso de não se chegar a um acordo.
No Brasil, não há lei expressa que obrigue a negociação. A decisão pela necessidade de diálogo com os sindicatos, porém, segue a tendência de países como França, Portugal e Estados Unidos. Segundo destacou o ministro Dias Toffoli em seu voto, esses países estabeleceram número de trabalhadores e prazo de tempo para que se configure uma demissão coletiva — que varia de mais de dez funcionários em 30 dias, como na França, até mais de 50, em empresas com mais de 100 funcionários, em 30 dias, nos Estados Unidos.
O caso analisado pelo STF envolve a demissão coletiva de cerca de 4 mil funcionários da Embraer, em 2009. Naquela época, os Sindicatos dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e de Botucatu (SP) e a Federação dos Metalúrgicos de São Paulo, além de outras entidades, ajuizaram uma ação na Justiça do Trabalho pedindo a nulidade das dispensas, com a alegação de que não houve negociação prévia.
O processo foi parar no Tribunal Superior do Trabalho (TST), que reconheceu ser imprescindível a negociação coletiva. Apesar disso, manteve as demissões da Embraer entendendo que essa exigência valeria para situações futuras. Embraer e a Eleb Equipamentos recorreram, então, ao STF com a alegação de que não existe lei que obrigue a negociação prévia (RE 999435).
No Supremo, por maioria de votos, ficou fixada a seguinte tese: “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com a autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.
O julgamento no STF começou em maio de 2021. Na época, o relator, o então ministro Marco Aurélio, lembrou que a reforma trabalhista tratou do assunto, equiparando as demissões coletivas às individuais, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical e afirmou que não há vedação ou condição à despedida coletiva. Os ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes o acompanharam.
O ministro Edson Fachin abriu a divergência considerando a necessidade de proteção ao emprego, como estabelece a Constituição. Ele foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
O ministro Alexandre de Moraes, que havia votado com o relator, mudou de posicionamento ontem por entender que o diálogo seria a melhor forma de interpretar o que diz a Constituição e preservar empregos. O ministro Luiz Fux não participou do julgamento por se declarar impedido.
A solução encontrada agradou tanto advogados de trabalhadores quanto de empresas. O advogado da Embraer e da Eleb, Carlos Vinícius Amorim, afirmou que a decisão, de certa forma, é coerente com o que o STF tem decidido nos últimos julgamentos que trataram de negociação coletiva. Ele citou como exemplo o caso julgado na semana passada, da prevalência do negociado.
Segundo Amorim, tem prevalecido a valorização da negociação sindical, estabelecida na Constituição. “Nesse sentido, entenderam que é indispensável que haja um mínimo de diálogo efetivo nesses casos de dispensa coletiva. Mas no fim, se não se chegar a um consenso, prevalecerá a decisão da empresa”, disse. No caso da Embraer, ele ressaltou que na prática a decisão nada muda, uma vez que fica mantida decisão do TST que manteve as dispensas.
Para Renato Rua de Almeida, advogado do Sindiaerospacial-SP, de trabalhadores da construção de aeronaves, que atuou no processo contra a Embraer, essa obrigatoriedade pode ser produtiva. É possivel ver se existem outras soluções, como férias coletivas, redução de jornada ou salário, ou até mesmo a suspensão do contrato por até cinco meses, o que é permitido por lei, visando a manutenção de empregos.
Procurada pelo Valor, a Embraer disse em nota que a “decisão não altera o que foi estabelecido naquele ano de 2009 [época das demissões]”.
Fonte: Valor Econômico, 8 de junho de 2022