STJ volta a julgar locação temporária de imóvel

O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Marco Buzzi e não há previsão de quando retorno à pauta

Marcela Villar

O Airbnb tenta, na 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reverter entendimento desfavorável na discussão sobre locação temporária de imóvel. O placar, por ora, é contrário à plataforma digital. O relator da ação, o ministro João Otávio de Noronha, votou, em julgamento iniciado na terça-feira, contra a possibilidade de uma senhora alugar um apartamento por temporada.

A questão é importante para o Airbnb, que conta no julgamento com advogados de peso para tentar vencer. As duas turmas de direito privado, a 3ª e a 4ª, já decidiram que convenções de condomínio podem proibir os proprietários de alugar os seus imóveis por temporada, como no caso agora analisado pelos ministros. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Marco Buzzi e não há previsão de quando retorno à pauta.

O processo chegou ao STJ em 2021 após o condomínio recorrer de decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) favorável à proprietária, que manteve a sentença de primeiro grau. O entendimento foi de que privar a moradora de locar o imóvel fere o direito de propriedade, previsto no Código Civil.

Para os desembargadores, a locação é possível desde que respeitadas as regras condominiais e o uso da plataforma não se iguala à definição de hospedagem trazida pela Lei nº 11.771, de 2008, mas à definição de locação por temporada prevista pelo artigo 48 da Lei nº 8.245, de 1991, conhecida como Lei do Inquilinato.

No recurso ao STJ, o condomínio sustenta que a convenção interna prevê de forma clara que o edifício se destina exclusivamente para fins residenciais, sendo proibido o uso dos apartamentos para comércio.

Alega, ainda, que a cobrança de diária configura serviço de hotelaria, o que desvirtua o uso residencial. E que hóspedes tiveram acesso à piscina, à sauna e à sala de jogos, o que é vedado pelo regimento interno. Com esses argumentos, convenceram o relator no STJ.

O argumento que mais pesou para o ministro João Otávio de Noronha, no voto, foi o da preservação da segurança dos condôminos. “A maior rotatividade de locatários propiciada pelo uso de plataformas digitais conquanto não altere o negócio jurídico, afeta em maior medida a convivência condominial, impactando o sossego, a segurança e salubridade dos demais condôminos”, disse o relator (REsp 1954824).

Citando precedentes da 3ª e 4ª Turmas, Noronha entendeu como legítimo o direito do condomínio, previsto no Código Civil, de impor restrições de propriedade para se alcançar a harmonia entre os moradores, levando em conta os critérios da razoabilidade e proporcionalidade.

A jurisprudência que se consolida no STJ, portanto, é de que a nova forma de aluguel por plataformas não tem previsão legal e que cabe ao condomínio definir a vedação ou não. Nessas limitações, que devem ser aprovadas pela maioria da assembleia, o direito de propriedade deve se harmonizar com os direitos da segurança, sossego e saúde.

Se houver proibição pelo regimento interno, os moradores podem se reunir para permitir a locação de determinado imóvel, ampliando o uso estritamente residencial. Mas, para isso, é preciso autorização de dois terços dos presentes na assembleia (REsp 1819075).

A única sustentação oral do julgamento foi feita pelo advogado do Airbnb (parte interessada), José Eduardo Martins Cardozo, do escritório Martins Cardozo Advogados Associados, que foi advogado-geral da União e ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff. Ele disse que a situação da proprietária é diferente dos precedentes porque ela não prestava serviços similares aos de hotelaria, como oferta de café da manhã. Para ele, a proibição da locação “é afronta ao princípio básico do direito de propriedade”. Também advogou pela empresa o BMA Advogados.

De acordo com o advogado do condomínio no processo, Thiago Pires Vilela, sócio do Cafiero, Vilela e Gonçalves Sociedade de Advogados, a mudança constante dos hóspedes começou a preocupar e incomodar os outros moradores. “Eles começaram a perceber falhas na segurança. Isso se agravou com alguns episódios, quando o apartamento foi locado para uma banda de rock, o que tirou o sossego do condomínio”, disse Vilela, que atuou em conjunto com o advogado Frederico Guimarães Marra, sócio do FGM Direito e Negócios.

O principal argumento deles foi de que a proprietária estaria prestando serviços de hospedagem, atividade não permitida nem pela lei nem pela falta de cadastro no Ministério do Turismo. Antes da ação na Justiça, que foi ajuizada pela proprietária do imóvel para ser declarado seu direito de locação, o condomínio enviou notificação extrajudicial com esses mesmos argumentos, pedindo para que o anúncio fosse retirado do Airbnb.

O advogado da proprietária, João Henrique Renault, do escritório de mesmo nome, afirmou que o STJ tem focado muito nas conjecturas fáticas e está fugindo de suas atribuições. “O STJ está entrando em umas questiúnculas de conjectura que, no meu modo de ver, extrapola a gerência do estado, que não pode impor restrição ao uso da propriedade privada.” Para ele, a fragilidade na segurança pode ser ocasionada por um morador que alugue o imóvel pelo período tradicional, de 30 meses.

Em nota ao Valor, o Airbnb afirma que as decisões anteriores do STJ sobre o tema referem-se a casos específicos e pontuais e não determinam a proibição da locação via Airbnb em condomínios de maneira geral. O aluguel por temporada no Brasil é legal, expressamente previsto na Lei do Inquilinato.

O Airbnb, acrescenta, está acompanhando o caso e está comprometido a apoiar o crescimento econômico no Brasil, ajudando proprietários de imóveis a obterem renda extra ao se tornarem anfitriões na plataforma, participando ativamente da economia do turismo com praticidade e segurança.

Fonte: Valor Econômico, 6 de junho de 2024

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