Na decisão, ministra relatora Nancy Andrighi destacou que se trata de caso envolvendo “imigrante digital”
Beatriz Olivon
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) discutiu ontem uma questão relevante para as instituições financeiras: a responsabilidade por golpes contra idosos. O caso envolve o Banco do Brasil, que foi condenado a restituir o valor, atualizado, da fraude cometida contra um casal. A decisão foi unânime.
“É mais um dos golpes a que os idosos estão sendo submetidos nesse país”, afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi, durante a sessão. Ela acrescentou que esse tipo de decisão força as instituições bancárias a tomarem atitudes contra fraudes e abusos.
O entendimento da turma reforma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF). Os desembargadores entenderam que o banco não poderia ser responsabilizado por danos gerados por fraude praticada por terceiro em operação bancária. Para eles, a culpa seria exclusiva dos consumidores.
No caso, o casal de idosos teve empréstimo realizado na cidade de São Paulo, de forma ilegal, no valor de R$ 59.183,00, além de ter sido subtraído de conta corrente R$ 8.820,80. Mesmo depois de acionarem o banco, ainda foi realizada compra ilegal em Goiânia com o cartão de crédito do casal. A fraude teria sido realizada por meio de ligação telefônica e procedimento em terminal de autoatendimento (REsp 2052228).
O falsário, se passando por funcionário do banco, depois de instruir o consumidor a aumentar o limite das suas transações, contratou mútuo com o banco, no mesmo dia. Ainda usou o valor contratado e o que o idoso tinha na conta corrente para quitar obrigações tributárias em São Paulo, fora do domicílio dos consumidores, como a relatora destacou no voto.
Na sessão, os ministros analisaram se a instituição financeira poderia responder objetivamente por falhas na prestação de serviços bancários consistentes na contratação de empréstimo pelo estelionatário. E se haveria o dever de identificar e impedir movimentações financeiras que destoem do perfil do consumidor.
Para a relatora, o dever de segurança abrange tanto a integridade psicofísica do consumidor como a patrimonial, sendo a instituição financeira responsável por verificar regularidade e idoneidade nas operações, desenvolvendo mecanismos capazes de impedir fraudes praticadas por terceiros.
De acordo com a ministra, ao possibilitar a contratação de serviço de maneira facilitada, por meio de redes sociais e aplicativos, os bancos têm o dever de identificar operações que destoem do perfil do consumidor — valores, frequência e objetos.
A falta de mecanismos que identifiquem situações atípicas, acrescentou, pode ser considerado um defeito na prestação de serviço e gera responsabilidade objetiva da instituição financeira.
Em seu voto, ela destacou que se trata de caso envolvendo “imigrante digital”. Por isso, aplicou o Estatuto do Idoso e a Convenção Interamericana de Direito dos Idosos, considerando a situação de consumidor hipervulnerável.
A ministra citou ainda a Súmula 479 do STJ. O enunciado fixa que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
Em nota ao Valor, o Banco do Brasil informou que, assim que for comunicado oficialmente sobre a decisão judicial, avaliará as medidas cabíveis.
Fonte: Valor Econômico, 12 de setembro de 2023