Servidores federais e entidades de classe pediam que decisões tivessem abrangência nacional
Luiza Calegari
As decisões judiciais em ações coletivas movidas por sindicatos estaduais de servidores só beneficiam os integrantes da categoria profissional da base territorial abrangida pela entidade. O entendimento foi adotado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recursos repetitivos que orientará as varas e tribunais do país.
Nos processos, servidores federais e entidades de classe pediam que, nesses casos, as decisões beneficiassem toda a categoria – ou seja, tivessem abrangência nacional. Entre as partes interessadas, estavam a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), a Federação Nacional dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Fenadsef) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Prevaleceu no julgamento, o voto do relator do caso, o ministro Afrânio Vilela. Para ele, só as decisões obtidas por entidades com atuação nacional podem ter efeitos para uma categoria inteira. Na esfera trabalhista, segundo especialistas, precedentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) destoam desse entendimento.
Foi fixada a seguinte tese: “A eficácia do título judicial resultante da ação coletiva promovida por sindicato de âmbito estadual está restrita aos integrantes da categoria profissional, filiados ou não, com domicílio necessário – conceituado no artigo 76, parágrafo único, do Código Civil – na base territorial da entidade sindical autora e aqueles em exercício provisório em missão em outra localidade”.
De acordo com Paulo Peressin, sócio da área trabalhista do Lefosse, a decisão está alinhada com o princípio da territorialidade sindical. “Parece acertada nesse aspecto, porque impede que sindicatos de âmbito territorial distintos (dois municípios distantes um do outro, por exemplo) venham a discutir situações fáticas que extrapolem a base de sua respectiva representação”, diz.
Para Rafaela Sionek, sócia da área trabalhista do BBL Advogados, o voto vencedor respeita o princípio da unicidade sindical e a previsão constitucional sobre a função dos sindicatos. “Permitir que o título executivo beneficie trabalhadores que se encontram em outros Estados ou bases territoriais distintas, ainda que da mesma categoria profissional, sem sombra de dúvidas desrespeitaria o princípio da unicidade sindical”, afirma.
Essa limitação, diz advogada trabalhista Rebecca Loureiro, do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, preserva tanto a representatividade quanto a autonomia das entidades sindicais. “No entanto, propicia a proliferação de ações em bases territoriais distintas e a consequente possibilidade de prolações de decisões conflitantes sobre o mesmo objeto, gerando, assim, insegurança jurídica, tanto para empregadores quanto para trabalhadores”, pondera.
O caso foi julgado no STJ porque a Justiça comum tem competência para arbitrar os conflitos entre servidores e órgãos públicos. A Justiça do Trabalho, onde tramita a maioria das ações coletivas propostas por sindicatos, ainda não tem precedente qualificado sobre o tema, conforme destaca Paulo Peressin.
No TST, as turmas divergem sobre a questão. A 3ª Turma, por exemplo, analisou recurso de um sindicato com base territorial em Osasco (SP) e região e, ao dar provimento às demandas dos trabalhadores contra uma rede de supermercados, estendeu os efeitos da decisão às filiais da rede que estavam fora da abrangência territorial da entidade (RR 1000213-07.2015.5.02.0511).
A 5ª Turma decidiu limitar os efeitos de uma decisão à base territorial do sindicato. Mas justificou que era esse o pedido expresso na inicial. Em seu voto, o relator, ministro Breno Medeiros destacou que a jurisprudência do TST é no sentido de que as decisões em ações coletivas têm efeito erga omnes, ou seja, para todos (RR 2018-29.2014. 5.09.0001). Há também precedente nesse sentido na 4ª Turma (RR 16 97-59.2012.5.03.0056).
Outras decisões, no entanto, mais recentes, proferidas neste ano, estão em consonância com a tese agora firmada pelo STJ, aponta Eliane Ribeiro Gago, advogada trabalhista do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra. “Embora a decisão do STJ verse sobre pleitos de servidores públicos, seu efeito reforça o entendimento do TST em relação aos trabalhadores regidos pela CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] e da atuação dos sindicatos locais”, diz.
A 1ª Turma do TST apontou, em acórdão deste ano, que “o alcance do título executivo formado em ação coletiva ajuizada por sindicato deve ser limitado à respectiva base territorial. Assim, empregado que presta serviços em outra localidade não possui legitimidade para promover a execução do título executivo formado naquele processo” (RR 0000044-46.2023.5.23.0002).
Em junho, a 2ª Turma seguiu o mesmo caminho. Manteve decisão da segunda instância que entendeu que um bancário não podia executar individualmente o título executivo coletivo, em razão de ser integrante de sindicato de base territorial distinta (AIRR 0000506-94.2022.5.21.0001).
Fonte: Valor Econômico, 11 de outubro de 2024