Juízes estão aplicando, além da taxa básica, juros de 1% ao mês
Adriana Aguiar
Juízes têm aplicado Selic mais juros de mora de 1% ao mês em processos trabalhistas, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter definido que a correção deve ser feita apenas pela taxa básica. Há decisões recentes nesse sentido tanto de primeira instância quanto do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais. Mas a questão já foi levada ao Supremo.
Em uma primeira reclamação sobre o assunto, o ministro Alexandre de Moraes confirmou que só deve ser aplicada a Selic, que já teria juros de mora embutidos. O pedido foi apresentado contra uma sentença dada por uma juíza do trabalho em Araçuaí (MG).
Para advogados de empresas, esse posicionamento já teria ficado claro no julgamento do Supremo, no fim do ano. Mas diante da confusão gerada, os ministros poderão se manifestar sobre essa questão na análise dos embargos de declaração nas ações julgadas em conjunto (ADC 58, ADC 59, ADI 6021 e ADI 5867).
No julgamento, os ministros, por maioria de votos, consideraram inconstitucional a aplicação da Taxa Referencial (TR) para a correção monetária de débitos trabalhistas e de depósitos recursais, como previsto pela reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017). A Justiça do Trabalho, porém, adotava, até então, o IPCA-E mais juros de 12% ao ano.
Também ficou definida a modulação dos efeitos da decisão (limite temporal). Vale apenas para os processos em tramitação e os que transitaram em julgado sem especificar o índice de correção a ser aplicado. A decisão deve afetar pelo menos 6,4 milhões de ações, em um valor total de R$ 635,41 bilhões, segundo levantamento da Data Lawyer.
Enquanto não há definição do Pleno, os ministros deverão analisar as reclamações. A primeira, julgada pelo ministro Alexandre de Moraes, é de uma empresa prestadora de serviços industriais contra a sentença proferida no dia 21 de fevereiro, que trata de adicional de periculosidade.
De acordo com o ministro, no julgamento conjunto das ações, em dezembro, ficou definido que “na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa Selic”.
Na decisão (RCL 46023), Moraes explica que a Selic “é um índice composto, isto é, serve a um só tempo como indexador de correção monetária e também de juros moratórios, nos termos do artigo 406 do Código Civil”. Assim, segundo ele, “a determinação conjunta de pagamento de juros de mora, equivalentes aos índices da poupança, e de atualização monetária pela taxa Selic, como consta do ato ora reclamado, implica violação ao quanto decidido na ADC 58, ADC 59, ADI 6021 e ADI 5867”.
O advogado Ricardo Calcini, professor da pós-graduação de Direito do Trabalho da FMU e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, afirma que essa é a primeira reclamação com decisão no Supremo. Já no Tribunal Superior do Trabalho (TST), existe decisão da 4ª Turma (processo nº 101306-17.2017.5.0.1.0049) e algumas proferidas por ministros (monocráticas) – Breno Medeiros (AIRR 99400-25.2008.5.15.0014) e Douglas Alencar Rodrigues (AIRR 10145-14.2016.5.15.0099).
As decisões estabelecem a correção apenas pela Selic. “Porém, existem juízes trabalhistas de primeira instância e desembargadores que continuam aplicando juros de mora”, afirma Calcini.
Para o advogado Daniel Chiode, do Chiode e Minicucci Advogados, o Supremo terá que tratar desse ponto, que também foi sucitado nos embargos de declaração. Para ele, alguns tribunais, como o de Minas Gerais, deixaram espaço aberto para que juízes apliquem juros (de mora ou compensatórios) de forma cumulativa com a taxa Selic.
Foi o que ocorreu no julgamento de um caso no TRT de Minas (processo 0010089-55.2020.5.03.0040). Os desembargadores afirmaram que a Selic engloba os juros de mora, mas fizeram uma ressalva no fim de que o Supremo não tratou dessa questão e que as partes poderão debater sobre a incidência cumulativa ou não.
De acordo com Chiode, essa interpretação não parece adequada e inclusive o sistema de cálculos da Justiça do Trabalho (PJe-Calc) foi parametrizado após a decisão do STF e não permite a cumulação de juros com taxa Selic. “A cumulação implicaria uma taxa composta que majoraria indevidamente os créditos e débitos trabalhistas, o que não encontra amparo na decisão do STF.”
O advogado Maurício Pessoa, do Pessoa Advogados, afirma que recebeu e-mails de clientes sobre a cobrança de Selic mais juros em decisões. Para ele, a decisão do Supremo e a própria definição da Selic são claros no sentido de que a mora já está embutida. “Não existe dúvida quanto a isso.”
Fonte: Valor Econômico, 11 de março de 2021