STF determina suspensão de ações sobre ‘pejotização’

Objetivo, segundo o ministro Gilmar Mendes, é impedir a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria

Beatriz Olivon e Tiago Angelo

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem a suspensão de todos os processos sobre “pejotização” até que o plenário julgue ação sobre o tema. A contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços é comum em diversos setores, como representação comercial, corretagem de imóveis, saúde e entregas por motoboys, entre outros.

No caso, além da licitude dessas formas de contatação, está em discussão a competência da Justiça do Trabalho para julgar processos sobre a fraude no contrato civil de prestação de serviços. Ao Valor, ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) disseram que a discussão sobre fraude não teria nada de constitucional.

Segundo eles, a análise pelo STF vem em um contexto de “reiteradas decisões” que buscam esvaziar a competência da Justiça do Trabalho. Eles citaram como exemplo a decisão dos ministros que considerou de competência da Justiça comum julgar processos sobre contratos de transporte rodoviário de cargas (ADC 48).

Outro ponto a ser decidido pelo Supremo é o ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil. Se a responsabilidade recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa contratante. “A controvérsia sobre esses temas tem gerado um aumento expressivo do volume de processos que tem chegado ao STF, especialmente por intermédio de reclamações constitucionais”, diz Mendes na decisão que suspendeu o andamento dos processos (ARE 1532603).

Segundo o ministro, uma parcela significativa das reclamações em tramitação no STF foram ajuizadas contra decisões da Justiça do Trabalho que, em maior ou menor grau, restringiam a liberdade de organização produtiva. Para o ministro, isso se deve, em grande parte, à “reiterada recusa” da Justiça trabalhista em aplicar a orientação do Supremo sobre o tema.

“O descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho [sobre terceirização de atividade-fim] tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas”, afirma ele.

Para o ministro, a suspensão vai impedir a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria, privilegiando a segurança jurídica e desafogando o STF. A decisão se deu em processo que envolve a Prudential do Brasil Seguros.

No caso, o TST afastou o reconhecimento do vínculo empregatício entre um corretor e a seguradora, tendo em vista a existência de contrato de prestação de serviços firmado entre eles. Apesar de o caso concreto discutir contratos de franquia, o relator deixou claro que a discussão não está limitada apenas a esse tipo de contrato.

Segundo o advogado trabalhista Renato Ribeiro, da Innocenti Advogados, ainda não é possível indicar o número de ações afetadas pela suspensão. “Mas o impacto esperado é significativo, por se tratar de um tema corriqueiro na Justiça do Trabalho, que até então detém a prerrogativa de verificar a ocorrência de fraude ou vício na contratação de prestadores de serviço”, diz.

Se levado em conta o posicionamento atual do STF, acrescenta o advogado, a tendência dos ministros é considerar a pejotização como lícita. “O STF já reconheceu, em decisões anteriores, a licitude da terceirização, inclusive na atividade-fim do contratante, legitimando contratações de trabalho por modalidades diversas da relação de emprego calcada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).”

Marcelo Gomes, sócio trabalhista do Villemor Amaral Advogados, estima que a análise feita pelo Supremo não deve tratar só da legalidade da pejotização. “Deverá ser mais ampla, julgando se é possível que contratos civis/comerciais legítimos sejam automaticamente anulados pela Justiça do Trabalho com base apenas nos requisitos da subordinação e habitualidade e até onde vai a autonomia das partes para negociar fora da CLT”, afirma.

Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado trabalhista Cezar Britto diz ver com preocupação a análise pelo Supremo sobre a competência da Justiça do Trabalho para analisar fraudes em contratos.

“Nos últimos anos o STF passou a esvaziar a competência da Justiça do Trabalho. A atividade da Justiça do Trabalho para proteger o trabalhador contra fraudes, explorações e simulações contratuais existe desde a era Vargas. O STF sempre atuou no sentido de preservar essa competência. No entanto, de uns tempos para cá, começou a surgir esse fenômeno novo, de o STF passar a ser instância recursal da Justiça do Trabalho”, diz.

Fonte: Valor Econômico, 14 de abril de 2025

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