STF definirá se vínculo empregatício entre Uber e motorista tem repercussão geral

Cerca de 10 mil ações na Justiça trabalhista discutem o mesmo tema em relação a diversos aplicativos

Marcela Villar

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se a tese de reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhadores e plataformas de aplicativo deve ser analisada em repercussão geral. Será julgada uma ação que discute se uma ex-motorista da Uber deve ter esse direito trabalhista reconhecido. O processo começa a ser analisado no dia 23 de fevereiro, no Plenário Virtual da Corte.

Na prática, o vínculo empregatício resulta no recebimento de todos os direitos trabalhistas de quem tem a carteira registrada: décimo terceiro, um terço de férias, FGTS, entre outros.

Os ministros ainda não julgarão o mérito do caso em si, mas se cabe a repercussão geral da matéria. Se for decidido que sim, todas as ações que discutem o tema ficarão vinculadas a uma decisão do Supremo (RE 1446336). Isso quer dizer que os demais magistrados do país vão aplicar em todos os processos sobre o assunto a mesma orientação.

Segundo a petição inicial enviada ao STF pelo escritório de advocacia Mattos Filho, que representa a plataforma no caso, cerca de 10 mil ações na Justiça trabalhista discutem o tema e, por isso, é preciso uma análise da questão em repercussão geral. Se for decidido que a Corte vai julgar o assunto com este amplo efeito, os milhares de processos judiciais a respeito ficarão suspensos até o posicionamento final do Supremo.

O caso chegou ao STF em junho do ano passado, após uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) admitir vínculo de emprego entre a motorista e a Uber. A 8ª Turma do TST, por maioria, entendeu que a relação de trabalho é estabelecida pelo algoritmo da empresa, que controla o meio produtivo. É a companhia que define as viagens, o preço da corrida e fideliza o cliente, sem gerência alguma do empregado. O TST confirmou entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), também a favor da motorista. Só a sentença da 1ª instância havia sido proferida em sentido contrário.

O TST entendeu que a Uber não é uma mera companhia de aplicativos, pois não vende tecnologia digital, e sim transporte. A falta de uma regulamentação sobre o tema, segundo o tribunal, “propicia às empresas do ramo estratosféricos ganhos pelo retorno lucrativo com mínimo de investimento e o vilipêndio de direitos básicos oriundos da exploração do trabalho”. O lucro da empresa no ano de 2023 foi de US$ 1,88 bilhão, segundo balanço financeiro divulgado nesta semana.

Outro argumento dos ministros do TST é de que a autonomia do motorista “restringe-se a definir seus horários e se aceita ou não a corrida”. Ainda, que a Uber “opera unilateralmente o desligamento de motoristas”. Por conta da falta de regulação do assunto pelo Congresso, “cabe ao Poder Judiciário decidir a questão de fato, de acordo com a situação jurídica apresentada e ela, como apresentada, remete, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, ao reconhecimento do vínculo empregatício, tal como vem sendo decidido no direito comparado”.

É nesta falta de previsão legal que a empresa ampara parte de sua defesa. Para a empresa, não há requisitos na lei que imponham esse tipo de vinculação trabalhista. O reconhecimento do vínculo, acrescenta, fere os princípios da livre iniciativa e concorrência, da Constituição Federal (artigo 170). Há necessidade da repercussão geral pela “grande discussão econômica, política, social e jurídica das últimas décadas, nacional e internacionalmente”.

Nos autos, a Uber diz que o que está em jogo é “a própria licitude de trabalho prestado por meio de aplicativos em geral, não apenas no âmbito do transporte de pessoas ou mercadorias”. Portanto, afeta todas as empresas que mediam serviços por aplicativo. “Este julgamento afetará de maneira direta e inquestionável toda a forma de funcionamento da empresa e, porque não dizer, de toda uma sociedade”, afirma.

A companhia diz ser responsável por 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e que tem 1 milhão de motoristas parceiros e 30 milhões de usuários. Desde 2014, quando começou a atuar no Brasil, intermediou 6,7 bilhões de viagens e entregas, repassou R$ 76 bilhões de renda a motoristas e entregadores parceiros e pagou R$ 4,9 bilhões em impostos federais e municipais.

A repercussão geral ainda se justifica pela necessidade de uniformizar o entendimento na Justiça – que hoje é dividia entre decisões contra e a favor – e garantir a segurança jurídica, acrescenta. A empresa pede a modulação dos efeitos da decisão do Supremo nesta matéria. O relator do recurso da Uber é o ministro Edson Fachin.

Análise

Para o advogado Osmar Mendes Paixão Côrtes, sócio do escritório Paixão Côrtes e Advogados Associados e professor do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), o julgamento é importante porque o STF ainda não se posicionou de forma definitiva sobre o tema. “Existem algumas reclamações que chegaram e foram julgadas monocraticamente ou por turma. Mas se o Supremo decidir pela repercussão geral e, depois, julgar o mérito, a decisão vai produzir efeitos em todos os processos existentes”.

Já o advogado Gustavo Vieira, do Gustavo Vieira Advocacia Trabalhista, que representa a motorista no caso, não acredita ser caso de repercussão geral. “A situação desse processo não necessariamente reflete em outros. O TST tomou a decisão pela análise de depoimentos de testemunhas e provas. É algo muito particular. É estranho minha testemunha valer para milhares de processos no Brasil”, indaga.

Ele comenta que, durante a tramitação nas instâncias inferiores do Judiciário, a Uber tentou uma conciliação para encerrar o processo, com o pagamento de uma quantia de R$ 10 mil a R$ 15 mil para a motorista. Segundo Vieira, a cliente quis fazer o acordo porque precisava de dinheiro na época, já que estava desempregada durante a pandemia da covid-19. A Justiça, porém, não homologou, por entender que havia uma movimentação da Uber em não criar uma jurisprudência desfavorável aos seus interesses.

Contexto

O STF, em decisão recente da 1ª Turma, negou o vínculo de emprego entre um trabalhador e a plataforma Cabify, que não opera mais no país. Uma ação semelhante envolvendo a Rappi chegou a ser pautada na sessão do plenário físico ontem, 8, mas não chegou a ser iniciado o julgamento.

Procurada pelo Valor, a Uber não respondeu. O advogado que representa a empresa também foi procurado, mas disse não ter autorização da plataforma para comentar o caso.

Fonte: Valor Econômico, 10 de fevereiro de 2024

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