Desde o início da pandemia, seis tradicionais shoppings de São Paulo ajuizaram 84 ações de despejo no Tribunal de Justiça
Fátima Fernandes
Nos últimos meses, é raro achar um comerciante que não tenha tentado renegociar o valor da locação devido aos efeitos da pandemia do novo coronavírus.
A redução de faturamento, que já se arrasta por mais de um ano, é o principal argumento dos lojistas para rever contratos, obter descontos e até mesmo a isenção do aluguel.
As conversas entre as partes não têm sido fáceis. Prova disso é que as ações de despejo ajuizadas no Tribunal de Justiça de São Paulo não param de crescer.
Seis tradicionais shoppings de São Paulo, Iguatemi, Morumbi, Center Norte, Eldorado, Paulista e Anália Franco ajuizaram 84 ações de despejo no TJSP desde o início de 2020.
De acordo com levantamento do escritório Cerveira, Block, Goettems, Hansen & Longo, dos seis shoppings, o Morumbi lidera a lista com 24 ações de despejo ajuizadas.
O Eldorado vem em segundo lugar, com 20 ações, seguido de Anália Franco (14), Center Norte (11), Paulista (8) e Iguatemi (7), no período.
A maioria das ações de despejo é motivada por falta de pagamento de encargos de locação, como aluguel, condomínio, fundo de promoção.
Lucas Souza dos Anjos, do escritório de advocacia, diz que as ações de despejo ocorrem, geralmente, após esgotadas as possibilidades de negociação entre as partes.
“Com a pandemia, as ações de despejo estão mais frequentes porque aumentou a inadimplência a ponto até de inviabilizar as operações”, diz Souza dos Anjos.
Em 2020, o shopping Morumbi ajuizou 11 ações de despejo contra lojistas no TJSP, das quais dez entre julho e dezembro. Neste ano, em quatro meses, ajuizou 13 ações.
Das 13 ações ajuizadas no ano passado pelo Eldorado, dez ocorreram entre julho e dezembro. Neste ano, já somam sete.
O shopping Anália Franco ajuizou sete ações no ano passado e, em quatro meses de 2021, outras sete.
Antes da pandemia, em 2019, como base de comparação, o Morumbi e o Eldorado ajuizaram, cada um, cinco ações de despejo no TJP. O Anália Franco, nenhuma.
“Alguns shoppings oferecem descontos condicionados ao pagamento de encargos anteriores, só que os lojistas não possuem fôlego financeiro para aceitar”, diz.
O procedimento de despejo consta do artigo 59 até o 66 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91). Pode ser solicitado pelo locador no dia seguinte ao atraso do aluguel.
De acordo com a legislação, o locador pode pedir uma liminar para que o despejo seja realizado em 15 dias, a partir da data da intimação.
Para isso, é necessário que o locador preste caução judicial equivalente a três meses de aluguel, e que a locação não tenha garantias vigentes (caução, fiança, seguro fiança).
Para evitar o despejo, no prazo de 15 dias da intimação, o locatário poderá apresentar defesa ou purgar a mora, que consiste no pagamento de valores em atraso.
Nesses valores estão incluídas multas, penalidades contratuais, custas do processo, além de juros de mora e honorários advocatícios.
Os honorários de advogados envolvidos no processo equivalem, geralmente, de 10% a 20% do valor total devido, e devem ser pagos à vista em depósito judicial.
“O locatário só pode evitar o despejo se pagar tudo o que deve na ação ou se comprovar que os valores não são devidos”, diz Souza dos Anjos.
Geralmente, de acordo com ele, em um embate entre as partes, o locador entra com duas ações contra o locatário, a de despejo e a de execução dos valores.
Isso porque o trâmite de uma ação de execução para o recebimento de débitos devidos é mais rápido do que o de uma ação de despejo com cobrança.
No último dia 15 de abril, o Morumbi ajuizou ação contra a loja Clube Melissa.
O despejo foi motivado pela suposta ausência de pagamento de aluguéis, encargos e fundos de promoção referente ao período de novembro de 2020 a março de 2021.
Consta no processo que a quantia devida da loja ao shopping chega ao valor de R$ 233.491,95.
Neste caso, como não houve pedido de despejo liminar, que é a desocupação imediata antes de o locatário apresentar a sua defesa, a loja será intimada para apresentar defesa e ou evitar a rescisão do contrato mediante o pagamento das dívidas requeridas no prazo de 15 dias.
A busca pela Justiça para mediar embates entre lojistas e administradoras de shoppings é uma das mais intensas dos últimos anos, de acordo com advogados.
REAJUSTE DO ALUGUEL
O escritório Cerveira acompanha ações na Justiça de pelo menos 200 clientes em todo o país. Só no mês passado, ajuizou cerca de 50 ações de lojistas contra shoppings.
De acordo com o advogado Daniel Cerveira, os comerciantes estão recorrendo à Justiça, principalmente, para obter a troca do índice de reajuste dos contratos de locação.
Na maioria dos casos, o índice utilizado nos contratos é o IGP-M/FGV, que subiu mais de 30% em 12 meses.
Os lojistas querem a troca por um índice que mede a inflação oficial, como o IPCA/IBGE, que subiu pouco mais de 6% em 12 meses.
Os lojistas também querem a isenção ou a redução do aluguel nos meses em que os estabelecimentos ficaram fechados e a suspensão do 13º aluguel do ano passado.
“Uma parte dos lojistas até consegue algum acordo, outra, não. Por isso aumentou muito o número de ações na Justiça no último ano”, diz Cerveira.
No último dia 15, uma franquia de alimentação instalada no Top Center obteve decisão do TJSP para obter a redução de 50% do valor do aluguel desde abril de 2020.
A decisão vale até o fim das restrições determinadas pelo governo com a pandemia.
Em outra decisão do TJSP, um restaurante localizado no shopping Morumbi conseguiu a suspensão do pagamento do 13º aluguel de dezembro de 2020 e a redução de 50% do valor da locação por seis meses, a partir de dezembro do ano passado.
Em lojas de rua, a situação não é diferente.
Uma loja tradicional de artigos de cama, mesa e banho, localizada na Avenida Pacaembu, conseguiu liminar do TJSP no último dia 28 de abril para troca do IGP-M pelo IPCA no contrato de locação. A decisão vale a partir do último reajuste em 2020.
Fonte: Diário do Comércio, 6 de maio de 2021