Por Daniel de Alcântara Nastri Cerveira
A reabertura das lojas no Brasil está longe de representar a retomada dos lucros. Ao contrário, no curto prazo, os comerciantes enfrentarão grandes dificuldades econômico-financeiras para operar seus estabelecimentos, em vista do baixo faturamento auferido desde o reinício das atividades e das vendas previstas para os próximos meses.
É verdade que cada região terá a sua dinâmica própria, contudo, é consenso que a retomada será muito lenta. Somado a isto, com o retorno das vendas físicas, alguns custos antes congelados voltam a incidir e onerar as empresas. Ademais, a incerteza quanto ao futuro e as ocorrências envolvendo a reabertura das lojas, assim como posteriores fechamentos por motivos sanitários, impedem os devidos planejamentos, existindo, ainda, outros obstáculos, como a restrição de crédito junto aos bancos.
No campo dos shopping centers, os varejistas precisam administrar uma despesa operacional relevante com o chamado “custo de ocupação”, o qual é formado pelos aluguéis mínimo e percentual ou variável calculado sobre o faturamento da loja, bem como pelos encargos, verbas estas oriundas das locações dos espaços onde se encontram instalados os seus estabelecimentos. Por força da paralisação dos negócios em virtude da pandemia, muitos centros de compras isentaram os locativos dos lojistas e promoveram reduções nos encargos, tais como condomínio e fundo de promoção, com a condição de que os boletos emitidos fossem regularmente pagos nas datas aprazadas.
Nesse contexto, além de uma massa grande de comerciantes não conseguir adimplir os boletos com os valores reduzidos lançados, há outro desafio aos lojistas. A maioria dos shoppings integrantes das grandes redes nacionais não estão previamente comunicando seus inquilinos acerca da quantia que pretendem cobrar de aluguel nos próximos boletos depois de retomadas as atividades. Ora, somente conhecendo os seus custos, o empresário consegue planejar e organizar o seu fluxo de caixa. A tendência é o aumento da inadimplência das prestações, o que é péssimo para todos.
Com a finalidade de modificar este quadro, uma medida adequada seria os shopping centers somente cobrarem o aluguel percentual com base nas vendas até o final deste ano de 2020. Desta forma, os lojistas teriam um horizonte para trabalhar e o locativo variável remuneraria razoavelmente os locadores à luz dos resultados individuais das lojas.
É importante ter em mente que as vendas verificadas nestes dias, após a reabertura, foram pífias e o faturamento gerado não permite afastar o cenário de déficit. Por outro lado, o Código Civil traz dispositivos que tratam da revisão judicial dos contratos, quando acontecer um fato imprevisível, extraordinário e superveniente que transforme a prestação excessivamente onerosa para uma das partes e acarrete extrema vantagem para a outra. Desde o momento em que a Covid-19 acarretou a suspensão ou a diminuição do faturamento dos lojistas, é correto defender que os contratos de locação dos respectivos pontos comerciais devem ser ajustados primeiro por meio de negociação e, se não for celebrado o acordo, através do Judiciário.
Nessa linha, é impensável aceitar o comportamento de alguns administradores de centros de compras que abriram as portas no final de maio e, por exemplo, cobraram o aluguel mínimo referente ao mês com base nos dias trabalhados e sem nenhum desconto. Os lojistas não faturaram o suficiente sequer para honrar os encargos locatícios, nem se diga sobre o pagamento da remuneração dos seus locadores, representada pelo aluguel.
A situação do setor é preocupante e somente por meio da união dos agentes de mercado é que será possível ultrapassar este momento sem maiores cicatrizes.
Daniel de Alcântara Nastri Cerveira é advogado, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Associados Advogados Associados, consultor jurídico do Sindilojas-SP, autor do livro “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, Editora Saraiva, e professor dos cursos MBA em Varejo e Gestão de Franquias da FIA (Fundação de Instituto de Administração) e da pós-graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC-RJ.
Artigo publicado: Revista Consultor Jurídico, 3 de julho de 2020