Autorregulamentação pode facilitar e baratear implementação da lei de proteção de dados, segundo advogados
Gilmara Santos e Bárbara Pombo
Entidades de classe como a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm) e o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) começam a discutir regras de proteção de dados pessoais para serem seguidas por seus associados. É o que se chama de “autorregulamentação regulamentada”, prevista no artigo 50 da LGPD – a Lei nº 13.709, de 2018.
“É um gatilho para popularizar a LGPD e ampliar o número de empresas em conformidade com a lei”, diz Raquel Cunha, sócia do escritório Jordan Cury Advogados. Ela acrescenta que um conjunto de diretrizes e soluções estabelecido coletivamente e pensado dentro das especificidades de um setor pode, além de facilitar, baratear a implementação da legislação, especialmente para pequenas e médias empresas.
Aponta ainda que o setor público tem liderado a corrente para criar linhas gerais de implementação da LGPD. Ela lembra que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, em 2020, a Recomendação nº 73, para a adoção pelos órgãos do Judiciário de medidas preparatórias e ações iniciais para adequação às disposições contidas na lei.
“É interessante o setor privado observar o movimento do setor público, que tem apontado a saída para que a gente sinta a presença da LGPD no dia a dia”, afirma a advogada Raquel Cunha.
Algumas entidades de classe já se movimentam nesse sentido. João Teixeira, especialista em direito e tecnologia da informação, afirma que já foi iniciado, em parceria com a Abcomm, o projeto que será usado pelos associados da entidade.
“Criamos um esboço com um roteiro do que poderia ser abordado e agora vamos escutar as partes interessadas. É fundamental”, diz ele, acrescentando que o objetivo é analisar o impacto da lei para o setor do e-commerce e, assim, direcionar as ações de maneira assertiva para facilitar a adequação à norma.
Entre os pontos discutidos na autorregulamentação da Abcomm estão como atender os direitos do titular, fazer a portabilidade de dados para outro fornecedor de produto ou serviço, os requisitos técnicos e administrativos para proteção de dados pessoais e a questão das novas tecnologias – como o reconhecimento facial.
“Estamos pegando os pontos indefinidos e não regulamentados para trazer perspectivas práticas”, afirma o advogado. Ele destaca que o setor de comércio eletrônico tem empresas de diversos tamanhos e essa peculiaridade está sendo observada para definir as regras.
“Esse é um trabalho voltado para os associados da Abcomm [cerca de 9 mil empresas], mas é importante destacar que, com o reconhecimento da ANPD [Autoridade Nacional de Proteção de Dados] pode ser diretriz para todas as empresas do setor”, diz.
Outra entidade de classe que também está se movimentando para realizar a autorregulamentação é o Conselho Federal de Contabilidade. De acordo com Elys Tevania, diretora executiva e data protection officer (DPO) da entidade, foi criado um grupo de trabalho para a elaboração de uma norma para regulamentar a LGPD para a profissão contábil.
“Não há prazo para a autorregulamentação entrar em vigor, mas esperamos aprovar em até 120 dias. Nossa fonte de trabalho são os dados pessoais e, por isso, é fundamental termos regras claras de atuação”, afirma.
Enquanto as regras específicas do setor não são definidas, a entidade orienta que os associados criem políticas internas alinhadas à LGPD, com temas como privacidade, segurança da informação e proteção de dados. O setor contábil conta com 520 mil profissionais em todo o país, divididos em mais de 80 mil escritórios – a maioria tem até cinco funcionários.
“Temos que encontrar um equilíbrio entre as grandes empresas de contabilidade, que têm mais de 500 funcionários, com os pequenos escritórios. Hoje a cobrança está desigual”, avalia.
A Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), que reúne os call centers, criou um comitê técnico para discutir a autorregulamentação e a expectativa é de que o texto final fique pronto no ano que vem, segundo Claudio Tartarini, sócio do escritório Souza Neto e Tartarini Advogados e consultor jurídico da entidade.
Ele afirma que o setor já conta com um programa que regulamenta as ações de relacionamento com clientes e consumidores, batizado de Probare. Entre outros pontos, determina que se a pessoa pede para excluir dado da base, tem que ser atendida. “Isso é uma das coisas que está prevista na LGPD, que já tínhamos no nosso programa.”
De acordo com ele, a intenção agora é aperfeiçoar a autorregulamentação para incluir mais detalhes. “Os pontos principais já estão lá. Agora, o setor estuda o aperfeiçoamento, como prevê o artigo 50 da LGPD.” A ABT tem 19 empresas associadas, que juntas representam entre 30% e 40% do setor. Empregam, no total, 350 mil funcionários.
Fonte: Valor Econômico, 22 de outubro de 2021