Sem entregar o que prometeu, shopping terá de indenizar lojistas

Karina Lignelli

Inaugurado há 12 anos e lacrado pela prefeitura em 2012, o Shopping Capital, localizado na avenida Paes de Barros, a principal via da Mooca, bairro da Zona Leste paulistana, acaba de ser condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a indenizar um grupo de lojistas em R$ 15 mil a cada envolvido na ação por danos morais.

O motivo: o não-cumprimento das condições apresentadas na ocasião do seu lançamento, que incluíam heliponto, salas de cinema, lojas-âncora, estacionamento com 3,6 mil vagas e circulação diária de 6 mil alunos da Unicapital, a faculdade construída em anexo ao shopping.

Além da restituição dos valores gastos para construção e montagem dos espaços, o TJ-SP também determinou o pagamento dos valores pagos a título de “luvas” -desembolsados antecipadamente para garantir a locação- e os pagos a título de aluguel mínimo, atualizados pela correção monetária e juros de 1% ao mês.

A decisão, que é de segunda instância, concedeu a indenização por danos morais que tinha sido indeferida na primeira sentença, de acordo com Daniel Alcântara Nastri Cerveira, sócio do escritório Cerveira Advogados Associados e autor da ação coletiva em defesa de oito lojistas, dos ramos de cafeteria, papelaria, venda de celulares, de bijoux e até franqueados de redes como Giraffas e Risotto Mix.

Construído pela Ilbec (Instituição Luso-Brasileira de Educação e Cultura), responsável na época pela Faculdade Capital, que até então ocupava um modesto prédio de dois andares na rua lateral, a Ibipetuba, o empreendimento era ousado: um grande shopping de seis pisos – incluindo praça de alimentação -, com o novo centro universitário ocupando os três últimos andares.

Mas as coisas não correram conforme o prometido. Apesar de seus 59,4 mil m2 – quase o dobro do permitido pela lei –, âncoras do porte das Lojas Americanas e marcas como O Boticário, Spoleto e Rei do Mate, o Capital foi aberto com capacidade de apenas 700 vagas para carros, e sem a obra dos cinemas ter sido concluída.

“O dono da Faculdade Capital era um empreendedor independente, sem experiência no ramo: além de não oferecer os atrativos prometidos, o que mais havia no shopping eram cafeterias”, afirma Cerveira.

Na inauguração, o Shopping Capital foi aberto sem condições mínimas de higiene e segurança, conforme relatou o advogado no processo. Havia apenas um banheiro e uma escada rolante funcionando, além da falta de guarda-corpo e corrimão nas escadas. Sem contar a poeira e o barulho das obras, incompletas.

O fluxo reduzido começou a afetar o faturamento dos lojistas e, o empreendimento não conseguiu atingir sua plena capacidade de funcionamento. Outro problema, o tamanho do shopping, fez a prefeitura negar a licença de funcionamento e o Habite-se, fazendo com que abrisse e reabrisse diversas vezes por força de liminar. Todas foram cassadas.

Na ocasião de abertura, a taxa de ocupação era de 72,7% em um total de 125 lojas, segundo dados do processo. Porém, cerca de dois anos depois, essa taxa caiu para 19,2%. Ou seja, apenas 29 lojas ainda funcionavam.

Numa situação normal, lembra Cerveira, o risco de empreender é do lojista. Mas, quando firmaram os contratos de locação, acreditaram que estavam se estabelecendo em um empreendimento planejado, com marketing agressivo e estrutura adequada.

“O shopping jamais atraiu um público consumidor mínimo, causando o insucesso comercial dos nossos clientes”, afirma.

Os inúmeros comentários negativos gerados pela região acabaram prejudicando os empreendedores que se instalaram no shopping, diz o advogado, para quem o TJ-SP “acertou” ao confirmar a decisão que obrigou-o a ressarcir os lojistas. Ainda cabe recurso.

ELEFANTE BRANCO

Alta circulação de pessoas, maior visibilidade da marca, comodidade para os clientes, proximidade de grandes lojas-âncora, segurança…

Fazer parte do mix de um shopping center é a principal estratégia de crescimento da maioria dos pequenos lojistas, que apostam todas as suas fichas para entrar em um empreendimento do tipo.

O investimento não é baixo: segundo Nelson Kheirallah, vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e coordenador do Conselho de Varejo da entidade, montar uma loja de 50m2, por exemplo, custa, em média, cerca de R$ 150 mil a R$ 200 mil reais.

“Mas isso só se o espaço não estiver ‘no osso’, ou seja, sem revestimento. Senão, o valor é maior”, explica, citando também as luvas, que podem custar entre R$ 3 mil e 4 mil por m2, no mínimo para o lojista, que precisa montar estoque, garantir capital de giro e contratar funcionários para ativar a operação.

Agora, imagine que pouco tempo depois, o negócio vai por água abaixo por falta de fluxo no shopping e, pior, por irregularidades na construção do empreendimento, sendo fechado duas vezes até ser finalmente lacrado pela prefeitura, e chegando até a servir como ocupação para movimentos de moradores sem-teto.

“Se não houver um empreendedor forte por trás do empreendimento, que o mercado confie, a chance de dar errado é grande. É muito temeroso entrar, principalmente para o pequeno lojista”, afirma Kheirallah.

Representante do empreendimento, o advogado César Machado Lombardi, do escritório Lombardi Advogados, afirma que, num primeiro momento, vários lojistas entraram com ação contra o Capital por estarem despreparados – ou seja, sem capital suficiente – para atravessarem o processo de maturação de um shopping, que dura, no mínimo, dois anos.

“Um shopping não abre e começa a faturar. Se ele não tinha fluxo, então não fazia sentido reclamar das vagas de estacionamento, por exemplo”, afirma “Percebemos que vários lojistas optaram por desistir do investimento via ação de forma prematura. Tanto que muitas foram julgadas improcedentes.”

Porém, o que acabou selando o destino do shopping e causou o seu insucesso e sua posterior lacração, foi a entrada do Ministério Público e o indeferimento “arbitrário” pela prefeitura da alteração do projeto inicial, segundo Lombardi, que estava em andamento e justificava sua regularização, mas passou a tramitar apenas na área administrativa.

Com a decisão, o impacto psicológico foi extremamente negativo, e o prejuízo foi tão grande que nem lojistas, nem o shopping conseguiram retomar as atividades. “Alguns até pediram a rescisão contratual na justiça por conta disso”, afirma Lombardi, ao informar que o Capital vai recorrer da decisão do TJ-SP que prevê a indenização por danos morais.

Para evitar problemas futuros, o advogado Daniel Cerveira alerta que, antes de entrar em um shopping, é importante avaliar antes se a projeção de faturamento é a ideal para aquele custo de ocupação, formado por aluguel – que dobra em dezembro – percentual sobre vendas, condomínio, fundo de promoção, água e luz e etc.

Além de tomar cuidado com quem oferece muitos atrativos – e se precaver juridicamente para não levar prejuízo -, ele lembra que o mercado mudou depois da crise: os lançamentos de shoppings diminuíram e, como agora eles precisam de lojistas, quase não se fala mais em luvas. “Para o pequeno lojista, esse é o momento de negociar”, diz.

E o Shopping Capital? Após duas tentativas de leilão (a última em 2014) com valor estipulado em R$ 135 milhões e sem receber nenhum lance, o empreendimento, que acabou abandonado por lojistas e clientes, foi lacrado definitivamente. O Ministério Público defende a demolição da área que excede os 31,546 m2 do alvará inicial da edificação.

No momento, segundo o advogado César Machado Lombardi, existem estudos para retomada do shopping, mas que dependem de uma “solução completa” para poder viabilizar sua regularização e posterior reestruturação.

Mas… Do megaempreendimento que prometia “sacudir” um dos bairros mais queridos pelos paulistanos, e um “sonho de 30 anos” do empresário português Adriano Augusto Fernandes, já falecido, o shopping, que se deteriora ano após ano, com pichações, tapumes enferrujados e vidros quebrados, por enquanto nada mais é do que um grande elefante branco em plena Mooca.

Fonte: Diário do Comércio, 11 de dezembro de 2018

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