Em razão da importância que os grandes centros comerciais fechados (popularizados no Brasil com a terminologia inglesa “shopping centers”) alcançaram na nossa estrutura socioeconômica urbana, a ponto atraírem no dia a dia centenas de milhares de pessoas ao seu interior; e de, junto com isso, esses estabelecimentos estarem naturalmente sujeitos ao risco de ser alvos de ações criminosas capazes de acarretar danos a terceiros – algo tão comum neste país da impunidade -, a coluna decidiu ceder hoje seu espaço à publicação do artigo abaixo, que trata sobre a quem cabe, juridicamente, a responsabilidade pela reparação de tais danos.
É notório o aumento da criminalidade no país, sendo certo que os centros comerciais, mais conhecidos como shopping centers não estão livres de tais acontecimentos. Referido problema social gera questionamentos acerca da responsabilidade civil do shopping em relação aos delitos ocorridos em suas dependências, merecendo destaque os mais recorrentes: furtos ocorridos durante o horário de funcionamento do shopping, principalmente aqueles ocorridos nas lojas e nas áreas comuns, e furtos ocorridos após o horário de funcionamento deste.
Inicialmente, no que tange à responsabilidade civil do shopping center é imperioso destacar que inexiste legislação específica que discipline este assunto, principalmente em razão da grande discussão doutrinária e jurisprudencial, razão pela qual as hipóteses de responsabilidade civil, bem como, ainda, a solução jurídica para cada caso concreto, deverá ser analisada mediante a situação fática e a respectiva comprovação do dano, conforme expõe o ilustre doutrinador Rui Stocco: “não há responsabilidade sem resultado danoso”.
A responsabilidade dos shopping centers vem se respaldando no comando normativo previsto no artigo 186, do Código Civil Brasileiro, que está diretamente ligado à obrigação de reparar o dano: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Ocorre que, o legislador brasileiro ainda não definiu claramente as responsabilidades de cada um dos integrantes do complexo comercial, quais sejam: empreendedor, administrador, entre outros, causando, assim, incerteza aos lojistas e usuários no momento da propositura de ações judiciais.
No que se refere à responsabilidade civil em relação aos furtos ocorridos nas dependências do shopping é certo que cabe a este e à administração, quando houver, zelar e prover a segurança do local como um todo, ou seja, dentro de seu ‘mall’, no estacionamento e interiores, inclusive dos lojistas, que despendem de valor econômico, para que seja provida a segurança do local.
A obrigação de segurança tem seus limites impostos pela boa-fé objetiva em conformidade com a razoabilidade. Seguindo a ordem lógica, quando estiver disposto no contrato de locação, normas gerais, regimento interno e demais documentos regedores desta relação jurídica, a imputação da responsabilidade de zelo e segurança do local, a parte vitimada não poderá reclamar à outra.
Vale ressaltar que, para a aplicação de tal responsabilidade é necessário comprovar o nexo de causalidade, ou seja, a relação entre o dano e a culpa de quem seria responsável, tendo em vista que nos casos onde a culpa é exclusiva da vítima, não há que se falar em responsabilidade civil.
Nos furtos ocorridos durante o funcionamento do shopping center deve-se verificar a situação fática, isto é, se o fato ocorreu por culpa da própria vítima ou se de fato houve falha de segurança, bem como verificar contra quem ocorreu, ou seja, contra o lojista ou o consumidor, isto porque, durante o horário de funcionamento do shopping, cabe a cada lojista zelar por sua loja, seus bens e mercadorias. Ora, seria inviável responsabilizar o shopping pelos furtos ocorridos, bem como que este controlasse a entrada e saída de consumidores de cada loja, sendo tal obrigação responsabilidade exclusivamente do lojista. Coadunando tal entendimento, em recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que afastou a responsabilidade do shopping por furto ocorrido durante o horário de funcionamento deste, tendo em vista que não foi comprovada falha de segurança e/ou envolvimento de seus funcionários.
De outro turno, em relação aos furtos ocorridos no “mall”, no que se refere aos consumidores, oportuno se faz aduzir que é pacificado pela jurisprudência, bem como assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), regido pela Lei nº. 8.708/1990, a responsabilidade objetiva do shopping, tendo em vista que este responde independentemente de dolo ou culpa, exceto quando comprovada a culpa exclusiva da vítima.
No que concerne aos furtos das lojas após o fechamento do shopping, é possível afirmar sua responsabilidade, vez que existe a obrigação de garantir a segurança e fiscalização dos referidos estabelecimentos, bem como das instalações existentes em seu interior notadamente porque o lojista nada poderá fazer para evitar furto após o seu fechamento. Isto posto, o shopping que deve cuidar e zelar para que não ocorram falhas de segurança, evitando-se, assim, a ocorrência de arrombamentos e furtos de mercadoria, etc. Corroborando o exposto e seguindo os entendimentos majoritários, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em ação de indenização por arrombamento de loja e furto de mercadorias, julgou pela responsabilidade do shopping por falha de segurança, porém afastou o dever de indenizar em razão da falta de comprovação do dano.
Vale ressaltar que a responsabilidade poderá ser relativizada quando houver disposição nos contratos regedores da relação jurídica, imputando ao lojista referida responsabilidade, quanto ao dano material poderá ser sanado quando for obrigatória a contratação de seguros contra furto.
Considerando que o shopping center constitui-se em um centro de comércio planejado, reunindo-se diversos empresários dos mais variados ramos de consumo e varejo, além da estrutura de alimentação, lazer, estacionamento, entre outras atrações que facilitam aos consumidores por sua forma e estrutura, é certo que se busca e se apresenta um local seguro, algo que não se encontra quando buscamos esta mesma gama do comércio de formas esparsas nas ruas.
Diante disso, não havendo qualquer legislação acerca da responsabilidade civil do shopping center em relação aos lojistas, deve-se avaliar o caso concreto, com base em julgado jurisprudencial, doutrinas e entendimentos. Já em relação aos consumidores e usuários do local, aplica-se o CDC, que também pode ser relativizado quando o dano ocorrer por culpa exclusiva do consumidor.
Por este prisma, é possível concluir que há a responsabilidade do shopping quando há falha em sua segurança, prejudicando assim, seus lojistas, usuários e consumidores. Todavia, para que haja o ressarcimento e indenização aos lojistas deve ser comprovado o dano material, bem como o nexo de causalidade entre o delito e a falha de segurança ocorrida.
Gabriela A. F. Payne Zerbini
Advogada em São Paulo ([email protected])
Artigo publicado: O Jornal de Hoje, 18 de novembro de 2014