Por Daniel Cerveira
A pandemia do novo coronavírus afetou negativamente e de forma severa negócios envolvendo varejo em lojas físicas. A queda nas vendas é brutal e impôs o fechamento de milhares de estabelecimentos. Segundo a CNC (Confederação Nacional do Comércio), de abril a junho de 2020, encerraram as operações cerca de 135 mil lojas. Somente no Estado de São Paulo deixaram de funcionar mais de 40 mil comércios. Vale ressaltar que fechar portas não significa resolver todos os problemas, ou seja, a partir de então o comerciante precisará administrar passivos consequentes, inclusive eventuais estabilidades de seus funcionários que tiveram seus contratos de trabalho suspensos por força da Medida Provisória 936/2020.
Dentre esses passivos, existe a multa rescisória do contrato de locação do ponto, nas hipóteses em que o lojista é inquilino do imóvel onde se encontra a sua loja. O valor da multa é definido em contrato ou por arbitramento judicial, sendo comuns avenças que estabelecem quantias exorbitantes, especialmente as que cuidam de espaços em shopping centers, aeroportos, centros logísticos etc. Por tal razão, mesmo antes da pandemia da Covid -19, o Poder Judiciário vem proferindo decisões reduzindo valor das multas e afastando cláusulas abusivas/ilegais. Outrossim, constam alguns precedentes que defendem que deve ser aplicada a proporcionalidade no pagamento das luvas/res sperata (coisa esperada), quando o contrato é rescindido antes do término do prazo contratual (como regra, contratos determinam o pagamento integral das luvas, independentemente do período de tempo transcorrido do pacto locatício).
No tocante à multa, cumpre esclarecer que o artigo 478 do Código Civil permite a rescisão de qualquer contrato sem ônus pela parte prejudicada em evento imprevisível e extraordinário que acarrete em onerosidade excessiva para um lado e vantagem extrema para outro. No contexto de lojista inquilino de imóvel que sofreu, por conta das quarentenas impostas, a paralisação do seu negócio e/ou redução significativamente em seu faturamento de modo a inviabilizar a continuidade das atividades no local, não há dúvida que a situação se enquadra na hipótese prevista no artigo 478 acima mencionado, lembrando que a Lei da Pandemia, em seus artigos 6º e 7º, endossa tal entendimento.
Por fim, destaca-se que nem todos os contratos são passíveis de rescisão sem a incidência de penalidade ou indenização, mesmo no cenário de pandemia, como, por exemplo, aqueles que não tiveram diminuição nos serviços prestados ou alteração nos seus custos fixos.
Daniel Cerveira é sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Associados Advogados, consultor jurídico do Sindilojas-SP, professor dos cursos MBA em varejo e gestão de franquias da FIA (Fundação de Instituto de Administração), pós-graduado em direito econômico e escritor.
Artigo publicado: Jornal Diário do Grande ABC, 5 de outubro de 2020