Arthur Gandini
Em 11 de novembro de 2017, passava a vigorar no país a Lei 13.467/17, conhecida como “Reforma Trabalhista”, sancionada quatro meses antes pelo então presidente da República, Michel Temer, após longo debate no Congresso Nacional.
As discussões sobre as propostas de alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) se estenderam por sete meses, até que deputados e senadores aprovassem a reforma em meio à pressão de organizações, entidades sindicais e outros atores da sociedade favoráveis e contrários à proposta. Contudo, dois anos após a aprovação e conforme especialistas em Direito do Trabalho, o debate segue em meio à insegurança jurídica, críticas e questionamentos sobre a constitucionalidade de pontos da reforma e a novas mudanças que são propostas ainda para a legislação trabalhista no país.
A reforma trouxe entre as suas principais mudanças a diminuição do acesso à Justiça gratuita; o pagamento das custas nos processos trabalhistas pela parte perdedora; a prevalência dos acordos trabalhistas sobre o que é determinado em lei; definição do valor do pedido de danos morais no início do processo pela parte autora e não mais pelo juiz; criação do contrato intermitente de trabalho; fracionamento das férias do trabalhador; fim do imposto sindical e a regulamentação do chamado home office.
Conforme dados do relatório Justiça em Números, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de ações trabalhistas no país caiu 27,3% entre 2017 e 2018, com o total passando de 3,4 milhões para 2,5 milhões.
“Há uma clara redução no número de processos infundados e de alegações abusivas. Também há um quadro crescente de acordos extrajudiciais, evitando os litígios propriamente ditos, de forma a privilegiar a autocomposição entre as partes. Por outro lado, permanece ainda um cenário de insegurança jurídica em alguns aspectos vitais da reforma”, analisa Danilo Pieri Pereira, especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Baraldi Mélega Advogados.
Segundo o especialista, a reforma trouxe mudanças que necessitam ainda de evolução da jurisprudência e do pensamento da Justiça do Trabalho. “Ainda é preciso resolver a questão da prevalência das negociações coletivas sobre a legislação. Novas formas de contratação, como o trabalho intermitente, estão pouco a pouco ganhando espaço. Ainda se discute muito a extensão dos benefícios da Justiça gratuita aos mais necessitados e as questões envolvendo o pagamento de honorários pela parte vencida à vencedora”, destaca.
O advogado Guilherme Conde, especialista em Direito do Trabalho do escritório Stuchi Advogados, explica que as demandas trabalhistas diminuíram drasticamente em razão do receio dos trabalhadores de entrar com ações e ficar sujeitos a pagar custas e honorários.
Para o especialista, o trabalho intermitente é uma das mudanças que ainda gera mais dúvidas e discussão no Judiciário. Nesta modalidade de contratação, os trabalhadores ficam à disposição das empresas; trabalham mediante convocação e recebem apenas o proporcional ao trabalho, garantidos os direitos previstos na CLT. “A norma que necessita de aperfeiçoamento é a do contrato intermitente, onde ficaram vagas, principalmente, as questões do pagamento ao trabalhador e dos recolhimentos sobre as questões trabalhistas, entre outras”, pontua.
Críticas e inconstitucionalidade
Nas análises de especialistas sobre o impacto nas mudanças nas relações trabalhistas, ainda não há consenso em relação aos aspectos positivos e negativos da reforma.
Conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia, desde a aprovação da reforma até julho desde ano, foram criadas 101,6 mil vagas na modalidade de trabalho intermitente, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia. O número representa 15,4% do total de empregos gerados no país nesse período.
Essa modalidade de contratação é tratada como uma forma de modernizar a legislação e gerar empregos, mas também é apontada como algo mais benéfico para as empresas do que para os trabalhadores. “O trabalho intermitente permite aos empregadores contratar pessoas por hora trabalhada, em horário flexível, de acordo com a necessidade de mão de obra. Com isso, gera a perda de renda, de direitos e de garantias para a grande maioria dos trabalhadores, beneficiando apenas os empregadores”, aponta Bianca Canzi, advogada e especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
Para Daniel Moreno, advogado trabalhista e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados, a reforma não gerou, nem de longe, o número de vagas de emprego prometidas por seus idealizadores. “Além do mais, é difícil acreditar que a retirada de direitos possa reaquecer a economia, isso porque, como se sabe, são justamente os assalariados que fazem a economia girar. Estamos próximos agora do 13º salário, por exemplo, que aquece a economia no final do ano”, afirma.
Em relação à discussão na Justiça, Moreno lembra que no mesmo ano da aprovação da reforma o próprio governo Michel Temer promulgou a Medida Provisória (MP) 808/17, com a regulamentação de mudanças como o trabalho intermitente. “Existem inúmeros pontos polêmicos como, por exemplo, a condenação do trabalhador sem condições financeiras ao pagamento de custas e honorários da outra parte. O tema se encontra pendente de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)”, observa Moreno.
Milena Pinheiro, advogada de processos especiais do escritório Mauro Menezes & Advogados e que tem acompanhado a repercussão da reforma no Judiciário, afirma que há diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo Tribunal Federal que contestam dispositivos inseridos na legislação.
Até o momento, foi julgada apenas a ADI 5938, que apontava a inconstitucionalidade do artigo 394-A da CLT, que autorizava o trabalho insalubre de gestantes e lactantes mediante a apresentação de atestado médico. A ação foi julgada procedente pelos ministros com o fundamento de que são irrenunciáveis a proteção à maternidade e à infância.
“Um tema de destaque que chegou a entrar na pauta do STF no segundo semestre de 2019, mas não teve julgamento iniciado, foi o da tarifação do dano extrapatrimonial. A reforma estabeleceu tetos de indenização por danos morais vinculados ao salário do ofendido. Essa disposição tem consequências graves, vincula-se a moral do trabalhador à sua remuneração. Além disso, numa situação de dano ambiental grave, como a de Brumadinho, é possível que um cidadão comum, não vinculado às empresas causadoras de dano, receba uma indenização muito maior que um trabalhador”, alerta Milena Pinheiro sobre o ponto que é contestado por meio das ADIs 5870, 6050, 6069 e 6082.
Novas mudanças
Enquanto questões pendentes sobre a Reforma Trabalhista não são resolvidas no Judiciário, os poderes Executivo e Legislativo seguem buscando reformar a legislação trabalhista do país. Em setembro desse ano, o presidente da República, Jair Bolsonaro, promulgou a Lei 13.874/19, conhecida como “Lei da Liberdade Econômica”, voltada para pequenas empresas e tratada como uma minirreforma trabalhista.
Entre as mudanças, está o fim da exigência de alvará para atividades de baixo risco; o incentivo a carteira de trabalho digital; o fim da obrigatoriedade de registro de ponto para empresas com menos de 20 funcionários; a substituição do Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (e-Social) por uma futura nova plataforma; e a criação da figura do “abuso regulatório”, infração cometida pela Administração Pública quando interfere na livre concorrência.
De acordo com Natalia Bacaro Coelho, advogada trabalhista do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados, o governo tenta afastar a informalidade dos empreendedores. “A Lei de Liberdade Econômica visa rever o papel do Estado na economia e cria as condições necessárias para o crescimento do país. Não se pode mais criar barreiras à entrada de competidores, tanto nacionais quanto estrangeiros, no mercado em questão”, opina.
Para Cláudia Securato, especialista em Direito do Trabalho do escritório Securato e Abdul Ahad Advogados, a lei foi uma complementação da Reforma Trabalhista. “Ambas contribuíram em inúmeros aspectos para a evolução das relações de trabalho no Brasil e com o ânimo dos empreendedores. A dispensa de alvará, a carteira de trabalho digital, o ponto por exceção e as modificações no E-Social foram pontos importantes para estimular os investimentos”, analisa.
Já o advogado Guilherme Conde, entretanto, postula que nem todas as mudanças com a nova lei são positivas para empregados. “A lei prejudica o trabalhador no tocante ao registro de ponto, afetando diretamente aqueles que trabalham em pequenos estabelecimentos, uma vez que se laborar em hora extraordinária, terá de provar perante a Justiça”, prevê.
Fonte: Portal Previdência Total, 11 de novembro de 2019