Mas, na visão de tributaristas, o novo posicionamento não evitará a judicialização do assunto
Marcela Villar
A Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco (Sefaz-PE) voltou atrás e dispensou a inclusão do Imposto sobre Bens e serviços (IBS), de competência dos Estados e municípios, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, na base de cálculo do ICMS no ano de 2026. Uma nota de esclarecimento sobre o assunto foi publicada no site do órgão na manhã de ontem. Mas a nova orientação, segundo especialistas, não evitará judicialização.
O posicionamento vem após entendimentos distintos publicados pelo Estado de São Paulo e do Distrito Federal sobre a matéria, em recentes soluções de consulta. A divergência havia sido criticada por especialistas, por conta da insegurança jurídica que gerou entre contribuintes.
As outras duas unidades federativas haviam se posicionado pela exclusão dos novos tributos em 2026, pois é o início da fase de testes do novo sistema. Eles só serão cobrados de quem descumprir obrigações acessórias, sob a alíquota de 1%. Pernambuco, na solução de consulta nº 39/2025, havia sido a favor da inclusão já a partir do ano que vem. No novo comunicado, disse estar “atenta às demandas dos contribuintes e comprometida com a transparência neste período de transição tributária”.
Agora, há convergência dos Estados sobre o ano de 2026. Mas a tendência, segundo advogados, é que os governos estaduais incluam o IBS e a CBS na base de cálculo do ICMS durante toda a fase de transição, entre os anos de 2027 e 2032. Isso porque eles levam em conta o fundamento da Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 1996), que determina como base de cálculo do imposto estadual o valor da operação.
Quando o Estado de São Paulo se manifestou sobre o tema, na consulta nº 32.303/2025, justificou a inclusão como uma medida para não “reduzir artificialmente a arrecadação estadual”. O DF, no entanto, pela solução nº 23/2025, reforçou que não existe lei expressa determinando que um integre o cálculo de outro.
Na visão de tributaristas, o novo posicionamento pernambucano ainda está longe do esperado e não evitará a judicialização do assunto. “Antes a posição de Pernambuco estava completamente equivocada, agora, ela está equivocada”, afirma o tributarista Rafael Pandolfo, sócio-fundador do Rafael Pandolfo Advogados Associados. “Na realidade, não tem autorização na Lei Kandir para a inclusão desses tributos, só a inclusão do próprio ICMS na sua base de cálculo”.
Na nota de esclarecimento, a Sefaz-PE disse que “é imperativo observar a especificidade operacional para o exercício de 2026, fase de testes da reforma tributária”. Afirmou que como o IBS e a CBS “terão caráter exclusivamente informativo e indicativo” no próximo ano, “tais valores não comporão o valor total da nota fiscal, resultando na ausência de cobrança efetiva ou repasse financeiro ao adquirente”.
Por conta disso, esclareceu que “não haverá valor financeiro a título de IBS e CBS a ser integrado à base de cálculo do ICMS especificamente durante o ano de 2026”. Acrescentou ainda “seu compromisso com a transparência, a coerência normativa e a estabilidade das relações tributárias, especialmente no contexto de implementação gradual do novo modelo inaugurado pela Emenda Constitucional nº 132/2023”.
Para Rafael Pandolfo, a lógica adotada pelos Estados de incluir os novos tributos se justifica pela possível perda na arrecadação. “Mas para fazer essa conta é preciso considerar que tem outras situações nas quais os Estados vão ganhar, como na tributação de imóveis e operações imobiliárias”, afirmou, citando que a atividade não era tributada. “Não dá para estar numa relação e só focar naquilo que vai perder”.
O advogado também diz que o artigo 108 do Código Tributário Nacional (CTN) veda a tributação por analogia. “Poderia se pensar que como o IBS vai substituir o ICMS, parece óbvio que ele também terá que ser incluído na base de cálculo, mas o CTN não permite a tributação por analogia e a ausência de lei não gera tributação”. Ele lembra do Projeto de Lei Complementar nº 16/2025, para tornar expressa a exclusão do ICMS, ISS e IPI das bases do IBS e CBS.
A tributarista Patrícia Maaze, sócia-fundadora do Oliveira, Augusto, Maaze, Britto, Filgueira, Guerreiro Advocacia, diz que a nota de esclarecimento de Pernambuco não a fez recuar de entrar na Justiça. “Pretendo entrar com mandado de segurança preventivo em todos os Estados, já estão prontos”, afirma Patrícia, que preside a Comissão Especial de Processo Fiscal da OAB-PE.
Na visão dela, as respostas dos Estados, apesar de convergirem em 2026, indicam um termômetro de como será a cobrança a partir de 2027. “São Paulo deixou bem claro que em 2026 não vai cobrar porque não tem efeito patrimonial e, portanto, não aumenta a base de cálculo do imposto, mas deixou claro que vai cobrar em relação a 2027 em diante”, completa a advogada.
Ela ressalta que a Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a reforma tributária do consumo, não é expressa sobre a inclusão do IBS e CBS no cálculo do ICMS. “Penso que não deve compor [a base], porque um tributo nasceu para substituir o outro. Não é razoável que além do empresário ter que pagar dois tributos incidentes sobre mesma a base, vai ter também que compor a base de calculo do outro”, adiciona.
Patrícia ainda diz que a nota de esclarecimento não é posicionamento oficial como a resposta à consulta, que é lei entre as partes. “A secretaria pode mudar a posição da nota a qualquer momento”, diz a tributarista.
Procurado pelo Valor, o Ministério da Fazenda não se manifestou até o fechamento desta edição. Segundo o ex-secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, já disse, em eventos, IBS e CBS entram no cálculo do ICMS e do ISS na transição. Por meio de nota, a Sefaz-PE disse que entendeu “adequado esclarecer publicamente o ponto específico em relação ao exercício de 2026 para conferir segurança jurídica na fase inicial da transição para os novos tributos”.
Fonte: Valor Econômico, 3 de dezembro de 2025