A grande maioria dos lojistas de shoppings centers tem dado significativa importância à renovação do contrato de locação com o empreendedor. Esse avanço é sem dúvida promissor, mas existem outros problemas que merecem ser ressaltados.
Na cláusula que regula o valor do aluguel, alguns empreendedores usam do artifício de majorar o seu valor, além dos índices oficiais, concedendo descontos na época de seu vencimento. Essa prática é desfavorável ao lojista, uma vez que na ocasião do reajuste do aluguel o valor base será do locativo sem o desconto.
E não é só. Além da prática acima mencionada, vários empreendedores têm aplicado taxas anuais de 10% a 15% além do índice estipulado contratualmente, sob a alegação de adequá-lo à realidade econômica do País, o que não se coaduna com a Lei que rege a matéria.
Não se pode olvidar, que estamos vivendo a plenitude de um plano de estabilização econômica, objetivando debelar o processo inflacionário, e, a subsistência desses procedimentos, (majoração do aluguel e cobrança de taxas), não contribui para os objetivos do Plano Real.
Além do mais, se mantidas as majorações do aluguel e a cobrança das taxas, o lojista, logicamente, teria que repassar esses valores ao preço das mercadorias, o que dificultaria sobremaneira as vendas, afetando diretamente a rentabilidade de seu negócio, devendo, portanto, ser combatidas.
O renomado civilista, Caio Mario da Silva Pereira, em doutrina lecionada na Revista dos Tribunais de nº 580, ao fazer menção aos ensinamentos de Washington Peluso Albino de Souza, em sua obra Direito Econômico, preconiza: ”as mutações verificadas na vida social, e que comprometeram verticalmente a sua estrutura, a filosofia existencial, os comportamentos dos indivíduos e as suas concepções mais arraigadas, exigem do Direito uma atualização que atenda não somente à realidade, aos fatos mas essencialmente ao dinamismo destes”.
O saudoso Darcy Bessone, baluarte nas questões de shopping centers em sua matéria publicada na Revista dos Tribunais n.º 680, sob o título: O “SHOPPING” NA LEI DO INQUILINATO, foi enfático: “O empreendedor ou dono, certamente, quis permanecer na situação anterior, na qual sempre dispôs livremente, criando clichês contratuais para a adesão submissa do lojista. Sendo assim, o legislador terá se demitido de sua verdadeira e nobre função, que é a de estabelecer equilíbrios racionais dos interesses que se contrapõem. Provavelmente, o lojista, em sua condição de contratante fraco, se satisfez, com a superação da controvérsia sobre a possibilidade da renovatória no shopping center. Satisfazendo-se, não terá dispensado a necessária atenção à liberdade de pactuação, que só ao empreendedor interessa. Insisto em que o legislador não deveria se cingir ao assentimento do lojista, pois é bem certo que, quando se defrontam contratantes de força desigual na formação do contrato, lhe impende deferir proteção ao contratante fraco, para que ele não seja explorado pelo forte”.
Esses entendimentos têm suporte jurisprudencial, conforme se vê dos julgados abaixo – transcritos:
“As cláusulas nulas de pleno direito, por afrontarem os princípios da Lei nº 8.245/1991, podem ser expurgadas do contrato renovado nos próprios autos de Ação Renovatória.” (TACRJ – AC 3490/94 – (Reg. 4342-2) – Cód. 94.001.03490 – 1ª C. – Rel. Juiz Valéria Maron – J. 01.11.1994) (Ementário TACRJ 21/95 – Ementa 39014).
“A tormentosa matéria relativa a locação de espaço em shopping center, sobretudo em renovatória, aos poucos vai-se sedimentando tanto na doutrina como nos tribunais. Em princípio, as partes são livres para contratar. A autonomia da vontade deve ser respeitada na renovação compulsória do contrato locativo, mas submetem-se os contratantes aos parâmetros legais, às normas gerais e às especiais da Lei n.º 8.245/91.
Pelo primeiro, é da essência da ação renovatória a fixação do justo preço da locação. E o justo preço só se obtém através de perícia técnica. Depois, o preço do metro quadrado em shopping center pode variar significativamente com o passar do tempo, por motivos dos mais diversos, de modo a distanciar o valor contratual do aluguel renovando com aquele real de mercado.
O preço oscila de acordo com o momento econômico, como se sabe, que pode ir da crise à euforia, ao sabor dos planos econômicos do Governo; das facilidades ou não de acesso ao prédio do shopping center pela existência, por exemplo, de determinada obra pública; do segmento social, em termos de poder aquisitivo, que freqüenta o local, da aparência do prédio, da eventual decadência, estagnação, evolução ou renovação do empreendimento, na concorrência com outros centros de compras, enfim uma enorme gama de fatores a influir na fixação do valor real do espaço destinado à locação. Aliás, não é por outra razão que o método mais apropriado para a perícia em shopping center é o comparativo. Em suma, após cinco anos o valor do aluguel pode estar em muito distorcido, de modo a permitir o enriquecimento sem causa de uma das partes”.
“LOCAÇÃO COMERCIAL – Renovatória. Aluguel. Imóvel situado em shopping center. Cláusula contratual com previsão de reajuste para renovação futura. Descabimento.
Em se tratando de locação comercial em shopping center, submetida a regime jurídico especial, a existência de cláusula prevendo o aluguel para os períodos de renovação futura obsta indiretamente o direito à ação renovatória em sua plenitude, além do que o valor do aluguel pode estar distorcido, de modo a permitir o enriquecimento sem causa de uma das partes. (Ap. c/ Rv 410.135-00/8, 11ª C., 2º TACSP, rel. José Malerbi, j. 20.10.94, apelante: Tok’s Modas Ltda., apelado: Eldorado S/A Comércio, Indústria e Importação, JTACSP-Lex 155/470)”.
“EMENTA: Locação – Loja de shopping center. Renovatória. Validade da cláusula que obriga o locatário a pagar o aluguel móvel, calculado sobre o faturamento bruto durante um certo período do contrato. Validade, no entanto, condicionada à demonstração de culpa ou mau desempenho do inquilino pelo faturamento insatisfatório. Necessidade, outrossim, de constituição em mora do locatário se o locador tacitamente vinha consentindo em receber o aluguel fixo.” (Ap. c/ Rv. 426.489-7, 11ª C., 2º TACSP, j. 16.3.95).
É importante ressaltar que ajuizada a Ação Renovatória do Contrato de Locação, essas ilegalidades, se previstas em contrato, deixariam de existir.
Mario Cerveira Filho
(*) O autor é Advogado do escritório Cerveira Advogados Associados, em São Paulo, SP.
Artigo publicado: Diário das Leis Imobiliários, 12 de dezembro de 2004