O aluguel percentual deve ser discutido nas ações renovatórias

Nos contratos de locação firmados entre lojistas e empreendedores de shopping centers, são geralmente previstos dois tipos de aluguel: o aluguel mínimo e o aluguel percentual.

Quanto ao aluguel mínimo, este deve ser proposto na petição inicial da Ação Renovatória, nunca se olvidando da importância do laudo provisório, que deverá mesclar os dois métodos (comparativo e remuneração de capitais), para instruir o pedido.

No que tange ao aluguel percen-tual, este tema deve ser desenvolvido com maior abrangência. Senão, vejamos:

O aluguel percentual é aquele que é calculado pelo faturamento bruto do lojista, variando (o seu percentual) de shopping para shopping e de acordo com a atividade comercial exercida.

Este aluguel será devido, quando o valor do resultado do percentual (estipulado em contrato), sobre o faturamento bruto for superior ao aluguel mínimo.

Concluindo, o lojista “tem um sócio”, que só participa dos lucros, sendo certo, que não deixa de ser legítima a cláusula que prevê a cobrança do aluguel percentual.

Acontece, porém, que o pensamento jurisprudencial dominante é de que o aluguel percentual é imutável, baseado no princípio do “pacta sunt servanda” (“os pactos devem ser cumpridos”), o que em minha opinião não deve prevalecer, neste caso.

Ora, é injusta a aplicação desse princípio, uma vez que muitos empreendedores vêm praticando o aluguel percentual em valor exorbitante, totalmente em desacordo com a situação econômica que avassala nosso País.

Como é público e notório, após a implantação do Plano Real, a estabilidade da economia impôs uma revisão e até uma reformulação de critérios, uma vez que o valor da moeda levou o consumidor a respeitar o novo padrão monetário, refreando, conseqüentemente, o consumo que exercia, sob a pressão inflacionária, ocasionando, assim, uma queda no volume de negócios.

E ainda, em razão do princípio da isonomia, não há cabimento de um lojista que exerce a mesma atividade comercial que outro, dentro de um mesmo empreendimento, venha a pagar um aluguel percentual diferente daquele.

Por essas razões, é que o princípio “pacta sunt servanda”, deve ser mitigado em relação ao aluguel percentual, podendo ser discutido em sede de Ação Renovatória de Contrato de Locação.

Ora, se essa medida judicial visa, a renovação do contrato de locação em sua integralidade, como a própria nomenclatura dispõe, é intuitiva a discussão a respeito do aluguel percentual.

Esse entendimento tem respaldo na lição do preclaro civilista, Caio Mario da Silva Pereira, em sua obra “SHOPPING CENTERS” Organização Econômica e Disciplina Jurídica”, in verbis:

“Não padece de ilegitimidade a estipulação. Assentado que é válido avençar a escala móvel aplicado ao aluguel, não deixa este de ser lícito se revestir a forma alternativa.

SOBRETUDO, NÃO DEIXA DE SER ALUGUEL”. (grifos meus).

Além do mais, o julgado abaixo transcrito, sufraga esse entendimento:

LOCAÇÃO COMERCIAL – SHOPPING CENTER – RENOVATÓRIA – CLÁUSULA CONTRATUAL.

Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, a princípio prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimen-tais previstas nesta lei, nos termos do artigo 54 da lei do Inquilinato, que consagra o princípio “pacta sunt servanda”, nesse tipo de locação. Permite-se, porém, a modificação ou desconsideração das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, pois o direito não dá guarida a relações abusivas, injustas ou que firam a isonomia causando enriquecimento indevido de uma parte em detrimento de outra. A superação do princípio “pacta sunt servanda” pode ocorrer o princípio da isonomia, que permite a aplicação da “rebus sic stantibus” em contrato de locação em shopping center, para desconsiderar cláusula de reajuste, quando ocorre onerosidade excessiva por fato superveniente, comprovada pela desproporção do aluguel vigente nas outras lojas, frente ao aumento decorrente daquela cláusula. Não se configura, porém, a onerosidade excessiva, o que exclui a aplicação da cláusula “rebus sic stantibus”, quando o valor do reajustado em decorrência da cláusula contratual, se situa entre a faixa de valores mínimo e máximo apurados em perícia para o valor de mercado do aluguel, estando dentro, portanto, do campo de aceitação, não se exigindo que o valor tenha que ser fixado na média. (TAMG – Ap 0259657-4 – 1ª C.Cív. – Relª Juíza Vanessa Verdolim Andrade – J. 01.09.1998) (grifos meus).

Por oportuno, há que se ressaltar o voto do eminente Juiz Amaral Vieira, em sede de ação declaratória, na Apelação com Revisão 351.996-0, 4ª Câmara, 2º Tribunal de Alçada Civil-SP, julgada em 10-08-93, onde foi decidido que a cobrança de aluguel percentual é legal, mas é “importante lembrar, por derradeiro, que o ora decidido não impede a rediscussão daquela cláusula remuneratória em futura ação renovatória, porque nessa hipótese estar-se-á discutindo um novo contrato, a vigorar por período futuro, sendo possível, pois, a modificação daquela cláusula….”.

Interessante julgado deve ser lembrado, pela sua importância, conferindo ao lojista o direito de reduzir o aluguel percentual, conforme abaixo lançado:

703562 – LOCAÇÃO – AÇÃO RENOVATÓRIA – PROVA PERICIAL – OBJETIVO – COMPROVAÇÃO DA REDUÇÃO DO FATURAMENTO E QUE POSSA CORRESPONDER À ALTERAÇÃO DO HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO IMPOSTA PELO LOCADOR – APURAÇÃO DO ALUGUEL VARIÁVEL – NECESSIDADE DA PERÍCIA – PRETENDIDO RESTABELE-CIMENTO DO EQUILÍBRIO CONTRA-TUAL EM VIRTUDE DE ALTERAÇÃO UNILATERAL DO AJUSTE – ADMISSIBILIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO – RECURSO PROVIDO – Em contrato de locação tendo por objeto atividades noturnas em shopping center, ato unilateral do locador que restringe horário de funcionamento implicando queda de faturamento e desvalorização do ponto comercial autoriza pedido de redução do valor variável e restabelecimento do equilíbrio contratual. (2º TACSP – AP. c/Ver. 542.580 – 8ª C. Civ. – Rel. Juiz Orlando Pistoresi – J. 25.03.1999)

Concluindo, não pairam dúvidas que na Ação Renovatória de Contrato de Locação, o aluguel percentual pode ser objeto de discussão.

Mario Cerveira Filho
(*) O autor é Advogado do escritório Cerveira Advogados Associados, em São Paulo/SP.

Artigo publicado: Diário das Leis Imobiliário, 6 de junho de 2004

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