Novas ferramentas de IA: Conveniência ou Armadilha?

Uma análise sobre as novas ferramentas de IA da Google (IA Overviews, IA Mode e IA Max), e o consequente impacto negativo a partir de como o usuário receberá as informações e anúncios. O artigo pretende despertar a importância do letramento digital diante de tanta transformação, seja para o usuário enquanto indivíduo ou empresa.

Por Lucas Anjos*

Todos os dias somos bombardeados com muita novidade no universo das ferramentas de inteligência artificial (IA), são IAs que criam imagens, músicas, vídeos, etc. No contexto dos sites de buscas, as novidades da Google como a IA Overviews e as recém anunciadas IA Mode e IA Max, prometem revolucionar a experiência de pesquisas na internet. Entretanto, a conveniência que está sendo prometida poderá impactar negativamente todas as pessoas, e empresas, que não investirem em educação digital.

As bigtechs foram inseridas em uma hamornioza competição por avanços tecnológicos em inteligência artificial, e a Google, por se tratar de um modelo de negócio baseado em anúncios, vem se destacando por aprimorar ferramentas que impactam diretamente os seus dois principais públicos: A pessoa que está procurando uma receita de bolo (informação confiável), ou qual a quantidade certa de fermento para o bolo não murchar (solução para um problema); e aquelas pessoas ou empresas que desejam conectar sua marca, produtos ou serviços às pessoas certas, de forma pragmática: se quer otimizar campanhas e vender mais.

Hoje, quando se pesquisa no buscador da Google “como fazer um currículo”, a IA Overviews apresenta, no topo da lista, um resumo da pesquisa gerado por sua inteligência artificial e ao lado, os links das fontes – para leitura adicional. Para cada linha de informação presente no resumo, a uma distância de um “click”, as fontes daquela informação aparecem ao lado. Esta funcionalidade permite que o usuário encontre informações de forma instantânea e organizada em tópicos, sem precisar “pular de link em link”. É uma conveniência para otimizar tempo quando se quer achar uma solução para um problema.

Na última conferência anual da Google (Google I/O, em maio de 2025), a bigtech lançou uma nova ferramenta para o seu buscador, a IA Mode. Quando chegar no Brasil, ao pesquisar no buscador Google a pessoa terá a mesma possibilidade de fazer perguntas complexas e conversacionais como faz com o ChatGPT ou Gemini. Quando detectado que a interação do usuário tem propósitos comerciais, a IA Mode entregará como resultado da pesquisa, além do resumo gerado por IA, conteúdos de todo o ecossistema Google (Shopping, YouTube, Maps, etc.).

Nesta nova realidade, os anúncios passarão a ser entregues de maneira cada vez mais “infiltrada”. As recomendações de sites, imagens e anúncios serão cada vez menos intrusivas e mais contextuais. Para acompanhar essa inovação, os anunciantes no Google Ads deverão se adaptar à IA Max, a mais nova ferramenta de anúncios (ferramenta que promete otimizar as campanhas do Google Ads com inteligência artificial).

Agora temos um panorama claro do que vêm por aí. Ao usuário que deseja conectar sua marca, produtos e serviços com alta performance, terá em mãos ferramentas inteligentes e que prometem resultados maiores que qualquer otimização manual e aprendizado de copywriting, enquanto que o usuário que deseja uma resposta rápida e assertiva, também será lhe entregue o prometido. Será?

A conveniência das novas tecnologias chegou a um tal estado de maturidade que é possível visualizar, a poucos passos à frente, a dependência das pessoas e empresas sobre a curadoria de conteúdos às ferramentas de inteligência artificial de um seleto grupo de bigtechs. Se a IA decide o que é “confiável” ou “verídico” ao sintetizar informações, ao lado mora o perigo de amplificar vieses presentes nos dados de treinamento ou de apresentar um conteúdo incompleto. Quem continuará a “pular de link em link” para confirmar a fonte? E as novas gerações que se profissionalizaram ou cresceram com a “ajuda” da IA?

Soma-se a isso a preocupação com as “bolhas de filtro” e a manipulação. Quanto mais personalizada a experiência, maior a chance da pessoa ser exposta apenas a informações e anúncios que reforçam suas visões existentes, limitando o acesso a novas ideias. Essa personalização, aliada à diminuição do controle e da transparência sobre como os algoritmos funcionam, pode reduzir a sensação do usuário de ter autonomia sobre sua própria experiência online, gerando uma preocupante dependência tecnológica e perda de habilidades, como a capacidade de pesquisa crítica e comparação de fontes.

Para enfrentar estes e outros tantos desafios, o primeiro passo é entender que o simples uso da ferramenta de IA não vai elevar o usuário, magicamente, ao uso sustentável da ferramenta. Pelo contrário, usar ferramentas de IA sem, ao mesmo tempo, buscar adquirir um conjunto específico de competências, só vai tornar o usuário cada vez mais dependente da dita comodidade. Mergulhará sem oxigênio nas “bolhas de filtro” e manipulações, ao final, perderá sua própria identidade.

Neste sentido, é imperativo que a discussão se volte para um caminho mais propositivo: a educação digital. Ao passo que as bigtechs desenvolvem tecnologias avançadas, será crucial que os usuários sejam capacitados para interagir com elas de forma crítica e consciente – especialmente aquelas que fazem uso não superficial. A educação digital é o motor para que as pessoas não se tornem meros consumidores passivos de conteúdo e anúncios, mas sim agentes ativos, capazes de questionar a fonte da informação, de identificar vieses e de compreender como os algoritmos moldam sua experiência online.

É necessário, portanto, voltar a ser estudante – para aqueles que querem ou necessitam ser usuários responsáveis e cocriadores da IA – é mandatório.

Por que devo começar este aprendizado – para ontem? Buscar o letramento em dados e algoritmos tornou-se uma estratégia fundamental para mitigar riscos de desinformação e manipulação. Ao saber como a ferramenta de IA funciona, não será alvo fácil das “alucinações”, conseguirá reverter a resposta dada com mais um prompt que o retomará aos trilhos da sua pesquisa.

A educação digital capacita o usuário a “ir além” da conveniência imediata, desenvolvendo o pensamento crítico necessário para navegar com segurança e inteligência neste novo cenário digital. É um investimento no empoderamento do usuário, garantindo que as promessas da inteligência artificial se traduzam em benefício real, e não em uma dependência velada.

Por onde devo começar? Neste admirável mundo novo é necessário compreender que novas competências devem ser apreendidas, e qual a melhor forma de aprender? voltar a ser estudante. O letramento digital é a capacidade de acessar, avaliar e utilizar ferramentas tecnológicas, ao lidar com IA, esse letramento digital se expande ainda mais.

O “Ai Competency Framework for Teachers” da UNESCO propõe um conjunto central de competências para se atingir algum grau de letramento em IA para alunos (IA CFS). Quem busca o letramento tem, portanto, como objetivo, se tornar um cidadão responsável e criativo, preparado para prosperar na era da IA. Este conjunto de competências ajudarão os usuários a adquirir os valores, o conhecimento e as habilidades necessárias para examinar e compreender a IA criticamente, incluindo as dimensões não só técnica, mas ética e social.

Na prática, o esforço para desenvolver nas pessoas uma abordagem crítica e ética, no uso eficaz das ferramentas de IA, deverá ser fomentado por todos os agentes sociais, na medida em que a própria tecnologia está transformando a sociedade que conhecemos.

Retomando ao IA CFS da UNESCO, o conjunto central de competências envolve não só conhecer as técnicas, aplicações e design de uma IA (como tendem a se concentrar nessas habilidades os treinamentos oferecidos por empresas) – sim, este é o primeiro passo para evitar manipulações – mas também, nas competências voltadas a uma “mentalidade centrada no ser humano” (Human-centred mindset); e “ética da IA” (Ethics of AI).

Assim, ao absorver tais competências por meio do esforço contínuo de lutar contra a maré – não ser só mais um dependente da tecnologia, o usuário que busca uma solução para seu problema ou uma resposta confiável, passará a ter maior controle sobre suas configurações de privacidade e capacidade de entendimento sobre as diversas perspectivas, não se limitando ao sugerido pelo algoritmo.

E para aquele usuário ou empresa que deseja conectar sua marca, loja, serviços ou produtos, na sua maior eficiência via ferramentas de IA, terá segurança de que o investimento em sua campanha de anúncios não se reverterá em prejuízos: por danos à reputação (perda de confiança de consumidores e stakeholders); operacionais e sistêmicos (decisões de negócio enviesadas e mal escolhidas, perdas de oportunidades e problemas de compliance e qualidade); éticos e sociais (uso de ferramentas discriminatórias, manipulação de dados fraudulenta, mão de obra); e legais (multas e penalidades regulatórias, processos judiciais, violações de privacidade e segurança de dados, e violação de propriedade intelectual).

* Lucas Anjos é advogado no escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados, pós-graduando em compliance, auditoria e controladoria pela PUC-RS, atuante no consultivo empresarial, proteção de dados e inteligência artificial. Certificado em LGPD pela IAPP –  International Association of Privacy Professionals. Membro da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da OAB-SP.

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