Incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, a cultura da redundância aponta para que a lei disponha tudo nos mínimos detalhes
Edison Fernandes
Já está circulando na imprensa especializada a preocupação sobre uma potencial nova “tese do século” (exclusão de tributos da base de cálculo de outros tributos), agora no âmbito da reforma tributária. Reportagem deste Valor Econômico do dia 10 de fevereiro trata desse assunto. Mas o assunto não é novo.
A Emenda Constitucional 132 já determinou que a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS e o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, criados pela reforma tributária, não integrarão as bases de cálculo dos atuais IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS. Esse é o teor expresso do artigo 133 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.
A questão reside na interpretação inversa: os atuais tributos, especialmente ICMS, ISS, PIS e Cofins comporiam a base de cálculo da CBS e do IBS?
Uma leitura sistemática e teleológica (que busco a finalidade da norma jurídica) da “nova” estrutura da tributação sobre o consumo no Brasil conduziria para uma resposta negativa: não, ICMS, ISS, PIS e Cofins não comporão a base de cálculo da CBS e da IBS. Isso porque os “novos” tributos são apurados e cobrados “por fora”, ou seja, são destacados na nota fiscal após a formação do preço de venda do bem, do serviço ou do direito (bem intangível) – a escrituração contábil da CBS e do IBS deve diferir da prática hoje adotada para ICMS, ISS, PIS e Cofins, evidenciando essa diferença de apuração e cobrança.
Isso quer dizer que, no período da transição, primeiro as empresas apurarão ICMS, ISS, PIS e Cofins, com base nas regras atuais. Ao preparar as informações da nota fiscal, o valor da CBS e do IBS serão acrescentados ao preço. Lembrando que, por mandamento constitucional, para a apuração da CBS e do IBS os valores de IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins deverão ser excluídos deste preço para formar a base de cálculo dos “novos” tributos. Por decorrência lógica e jurídica, os “novos” tributos sobre o consumo não comporiam a base de cálculo dos “antigos” tributos sobre o consumo.
No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro incorporou a “cultura da redundância”, que recomenda o detalhamento da disciplina, como caso, tributária, nos mínimos detalhes (como recomendava também um antigo personagem humorístico). Não podemos negar que haja razão nesta exigência de detalhes, haja vista a relação conflituosa entre Fisco e contribuinte.
Sim, é melhor que fique claro na lei complementar da CBS e do IBS que não haja tributo sobre tributo. Porém, é entender que a “nova” estrutura da tributação sobre o consumo já pressupõe a composição da base de cálculo dos tributos sem incluir outros tributos.
Fonte: Valor Econômico, 14 de fevereiro de 2025