Daniel Alcântara Nastri Cerveira
Como amplamente noticiado, a Lei do Inquilinato sofreu nova alteração, por meio da Lei 12.744/2012, cuja vigência teve início em 20/12/2012. Dentre outras alterações, foi incluído o artigo 54-A, que cuida das chamadas locações built to suit, aquelas em que o locador irá promover a construção ou reforma do imóvel a ser ocupado pelo inquilino, e o seu respectivo parágrafo 1º, este último tratando da renúncia ao direito de revisão do locativo.
O novo texto legal é o seguinte: “Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.
Parágrafo primeiro. Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação”.
Diante do novo texto legal, surgiu uma dúvida, até agora sem resposta segura, no que diz respeito à possibilidade da renúncia à pretensão de revisão judicial de aluguel em contratos de locação diferentes do built to suit, com base no artigo 19 e 68 e seguintes da Lei em pauta, senão vejamos:
Cabe esclarecer que, antes da mencionada alteração da Lei do Inquilinato, o Poder Judiciário, diante da ausência de qualquer dispositivo legal que autorizasse ou vedasse expressamente a renúncia à ação revisional, já a admitia nos contratos de locação de imóveis urbanos, sob o fundamento de que, como o aluguel se trata de direito disponível, as partes estariam liberadas para proibir contratualmente a possibilidade ser revisto o aluguel judicialmente por meio da ação revisional.
O próprio Supremo Tribunal Federal já se pronunciou nesse sentido, tendo, inclusive, editado a Súmula de nº 357, ainda sob vigência da chamada Lei de Luvas:
“É LÍCITA A CONVENÇÃO PELA QUAL O LOCADOR RENUNCIA, DURANTE A VIGÊNCIA DO CONTRATO, À AÇÃO REVISIONAL DO ART. 31 DO DECRETO 24150, DE 20/4/1934.”
O problema está em como interpretar o referido parágrafo primeiro do novo artigo 54-A. Como este parágrafo é de artigo que cuida exclusivamente das locações built to suit, é valida somente a renúncia à ação revisional dos contratos de locação deste gênero? Nesta linha raciocínio, os demais contratos de locação de imóveis, então, não podem prever à renúncia à ação revisional de aluguel?
Segundo regra de hermenêutica – técnica de interpretação das leis e demais normas jurídicas – todos os artigos e demais dispositivos tem que ser levados em consideração. Vale dizer, não existem palavras sem significado nos termos das Leis. Sob esta ótica, pode-se defender que a renúncia somente seria aplicável para os contratos de locação do tipo built to suit, pois, uma vez que a lei somente a autoriza para estes pactos, as outras avenças locatícias, por consequencia, não poderiam estabelecer qualquer restrição quanto ao direito das partes pleitearam a revisão do aluguel com fulcro na Lei do Inquilinato.
No entanto, em que pese o aludido acima, a melhor interpretação é que o multicitado parágrafo primeiro não se presta a determinar como nula as cláusulas que estabelecem à renúncia à revisão do aluguel nos contratos de locação tradicionais, isto é, muito embora esta ideia ser contrária às regras de hermenêutica, partindo-se da interpretação teleológica do novo texto legal, tem-se que este dispositivo não tem aplicação exclusiva aos contratos de locação built to suit.
O legislador, ao editar o artigo 54-A da Lei de Locações, e seu parágrafo 1º, não quis enfrentar o entendimento historicamente conferido pelo Poder Judiciário à questão. Viu, sim, uma oportunidade de incluir tal disposição, aproveitando-se o movimento de alteração legislativa.
Certamente, o adequado seria o legislador inserir a possibilidade de renúncia ao direito de revisão de aluguéis na forma de parágrafo do artigo 19 da Lei em comento, que, por seu turno, prevê a possibilidade de ser proposta a ação revisional de aluguel:
“Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá – lo ao preço de mercado”.
Assim, a inclusão da possibilidade da renúncia à ação revisional, não pode ser tomada como cabível unicamente nos contratos de locação built to suit, entendendo-se, pois, que o parágrafo 1º, do artigo 54-A, é aplicável a todos os contratos de locação de imóveis urbanos. Nessa esteira, podemos dizer que o legislador somente positivou o que já defendia a jurisprudência. Agora, nos resta aguardar o pronunciamento do Poder Judiciário, com a formação de nova jurisprudência sobre o tema.
*Daniel Alcântara Nastri Cerveira é sócio do escritório Cerveira Advogados Associados, pós-graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor dos Livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising – Temas Jurídicos”, São Paulo, 2011, Editora Lamonica, na qualidade de colaborador.
Fonte: Revista Construir Nordeste, 9 de abril de 2013