Com a imposição às exchanges da Instrução Normativa nº 1.888, de 2019, há agora “rastro” a seguir, segundo advogados
Adriana Aguiar
A norma da Receita Federal que obriga o fornecimento por corretoras (exchanges) de informações sobre operações com criptomoedas — como os bitcoins — deve facilitar a vida de credores que buscam a penhora desses ativos. Até então, era difícil localizá-los. Em três casos, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) admitiu a possibilidade, sem, porém, determinar os bloqueios.
Não havia nos pedidos dados concretos sobre a localização das criptomoedas. Com a determinação contida na Instrução Normativa nº 1888, de 2019, em vigor desde agosto, porém, há agora “rastro” a seguir, segundo advogados. “O próximo passo será a efetivação dessas penhoras porque será mais fácil localizar essas transações”, diz Luana Crispim Alves Cunha, do escritório Martinelli Advogados.
O tema ainda é muito novo e as criptomoedas, que podem ser negociadas por qualquer meio digital, ainda não foram regulamentadas pelo Banco Central ou pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Nos pedidos judiciais, o credor poderá solicitar ao juiz para que seja enviado ofício para a indicação pela Receita Federal de operações realizadas pelo devedor.
Por enquanto, essas ações ainda não deram resultado prático. Em caso julgado em novembro, a 9ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP negou o pedido dos credores. Eles alegaram no processo (nº 2059251-85.2018.8.26.0000) que não localizaram, via Bacen Jud, recursos para penhora e que tiveram conhecimento que o devedor tinha bitcoins, recebidas de leitores para a manutenção do seu blog.
Os credores pediram, então, a expedição de ofício ao Mercado Bitcoin, responsável pela custódia dos ativos, para que fosse informada a existência de aplicações e a constrição até o limite da dívida de R$ 61,5 mil. O pedido, porém, foi negado por não haver provas de que o devedor realmente possuía bitcoins e pela dificuldade de execução.
Em seu voto, o relator, desembargador Galdino Toledo Júnior, afirmou, que “tais bens não possuem lastro e não estão regulamentados pelo Banco Central ou pela CVM, podendo ser negociados não apenas por corretoras, mas por qualquer outro meio digital (softwares, hardwares, paper wallets ), o que dificulta não apenas a efetivação, como o gerenciamento da penhora nos autos”. E acrescentou: “Foram expedidos diversos ofícios na tentativa de localização da existência de tais ativos virtuais em nome do executado, sem êxito.”
Em outro caso analisado em maio de 2018, a credora alegou que busca a quitação do seu crédito sem resultado desde 2007. Por isso, solicitava nova pesquisa pelos sistemas Bacen Jud, Renajud (automóveis) e Infojud (informações da Receita Federal) e o bloqueio de moedas virtuais. O último pedido, no entanto, não foi aceito pela 37ª Câmara de Direito Privado.
Para o relator, desembargador João Pazine Neto, “não se mostra possível, tendo em vista a ausência de qualquer indício de sua existência, ou mesmo ausência de regulamentação a respeito das mesmas” (processo nº 2088088-53.2018.8.26.0000).
O primeiro caso foi analisado pelo TJ-SP em novembro de 2017. O relator, desembargador Milton Carvalho, da 36ª Câmara de Direito Privado, entendeu que, “em tese, não há óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução”. Entretanto, acrescentou, a credora não apresentou sequer indícios de que os agravados tenham investimentos em bitcoins. “Como se nota, o pedido formulado é genérico e, por essa razão, não era mesmo de ser acolhido”, diz em seu voto (processo nº 2202157-35.2017.8.26.0000).
As decisões, segundo a advogada Luana Crispim, trazem à tona a necessidade de se pensar sobre novos caminhos para tornar os processos de execução e cumprimento de sentenças mais eficazes, “principalmente nos casos em que os devedores se esquivam do pagamento por meio das novas tecnologias”. Para ela, o tema deve ser melhor regulamentado pelo Banco Central ou CVM e já traz uma melhor eficácia com a instrução normativa da Receita.
Para a juíza Renata Barros Souto Maior Baião, que atua em São Paulo, a penhora de bitcoins é possível juridicamente. Contudo, acrescenta, essa apreensão demandará uma estrutura tecnológica do Poder Judiciário para lidar com criptoativos, de forma a evitar o acesso de terceiros e lidar com sua volatilidade, o que pode frustrar a execução.
Os sistemas usados pelos juízes para localizar bens ainda não alcançam os bitcoins, segundo o advogado Rodrigo Rigo Pinheiro, do Leite, Tosto e Barros Advogados. No Bacen Jud, por exemplo, o juiz pode ter acesso, por meio do Banco Central, a qualquer conta bancária do devedor em qualquer banco.
“Contudo, com relação aos bitcoins ainda não existe um poder centralizador dessas operações. Mesmo que existam corretoras nacionais ou internacionais, essas criptomoedas podem estar em qualquer lugar do mundo”, diz. Para ele, porém, por meio da nova instrução normativa da Receita, haverá novas informações relacionadas à titularidade desses bitcoins, que podem melhorar essas buscas.
Segundo a advogada que assessora empresas do mercado de criptomoedas, Emília Malgueiro Campos, do escritório Malgueiro Campos Advocacia, essas exchanges têm condições de cumprir a exigência da Receita Federal. Ela destaca, contudo, que a conduta de praxe dos investidores é não deixar seus bitcoins parados na corretora após as transações.
“Depois das movimentações, ele recolhe seus bitcoins e coloca na carteira dele”. Por isso, segundo a advogada, a exchange só tem condições de bloquear esses valores se ainda estiver como custodiante. “Caso contrário, esses valores estão off-line, no pen drive do cliente.”
Fonte: Jornal Valor Econômico, 13 de fevereiro de 2020