Daniel Cerveira*
A pandemia da covid-19 impactou frontalmente o setor varejista, o que demandou a tomada de diversas providências pelos lojistas, sendo uma delas a redução dos custos fixos até a retomada da normalidade. Dentro destes gastos existe o chamado “custo de ocupação”, formado pelo aluguel e encargos locatícios oriundos das locações dos pontos comerciais.
Diante do cenário gerado pelas quarentenas decretadas pelos Poderes Públicos, as quais acarretaram na interrupção das vendas no comércio físico ou em drástica redução, os lojistas procuraram seus locadores com o objetivo de negociarem ajustes temporários nas bases dos seus contratos de locação de seus estabelecimentos. Frise-se que os contratos de locação continuaram e continuam normalmente vigentes, bem como que o inadimplemento pelo inquilino autoriza que o locador promova as medidas de despejo e de cobrança.
Naturalmente, verificou-se negociações bastante variadas, ou seja, alguns senhorios concordaram em abonar o aluguel dos dias parados, outros ofereceram descontos em patamares diversos (25%, 50%, 75% etc.) ou somente aceitaram postergar os vencimentos das prestações, sendo que uma minoria negou qualquer concessão. No universo dos shopping centers, onde o custo de ocupação é constituído pelo aluguel, condomínio, fundo de promoção, encargos específicos e outras despesas, observou-se que uma boa parte dos empreendedores isentaram o aluguel para os dias sem funcionamento, bem como cobraram valores reduzidos de condomínio e fundo de promoção (alguns centros de compras também isentaram ou postergaram o pagamento das verbas do fundo de promoção). Quanto aos aluguéis, uma outra fatia de empreendimentos por enquanto unicamente suspendeu a sua exigibilidade para posteriores cobranças e há ainda uma parte de locadores de espaços em shoppings que aceitaram aplicar descontos em determinados patamares. Cumpre destacar que muitos centros de compras condicionaram as isenções e descontos ao regular pagamento das quantias exigidas, bem como que existem notícias de lojistas que, uma vez que não conseguiram adimplir as prestações nas datas dos vencimentos, “perderam” os abonos e agora estão sendo cobrados pelos valores totais.
Nas hipóteses em que não há a celebração do acordo, impõe destacar que o Código Civil traz dispositivos que tratam da revisão judicial ou a rescisão sem ônus dos contratos, independentemente de sua natureza, quando ocorrer um fato imprevisível, extraordinário e superveniente que desequilibre a relação, tornando a “prestação” excessivamente onerosa para uma das partes e gerando extrema vantagem para a outra, ou na hipótese de sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução.
O Código Civil prevê ainda a hipótese de caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidade, bem como traz o artigo que trata da redução do aluguel quando o bem locado sofre deterioração (possível a sua aplicação por analogia). Assim, a partir do momento que a covid-19 acarretou na suspensão ou na diminuição do faturamento dos lojistas é cabível defender que os contratos de locação dos respectivos pontos comercias merecem ser ajustados temporiamente até que a situação seja normalizada (entenda-se até que seja observada retomada do nível de faturamento pré-crise) e que os inquilinos têm o direito de rescindi-los sem qualquer penalidade.
*Daniel Cerveira é advogado, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Associados Advogados Associados, consultor jurídico do Sindilojas-SP, autor do livro Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar e professor dos cursos MBA em Varejo e Gestão de Franquias da FIA – Fundação de Instituto de Administração e da Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ
Fonte: Blog Fausto Macedo – Estadão, 29 de junho de 2020