Apesar de decisão já ter sido cassada pela 2ª Turma do STF, TRT10 tinha reafirmado o entendimento de que havia vínculo
Carolina Unzelte
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou, mais uma vez, uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10) que reconhecia o vínculo empregatício entre a Prudential do Brasil Seguros de Vida S.A. e um ex-franqueado. A decisão foi tomada em nova reclamação apresentada pela empresa de seguros, que apontava descumprimento de decisão anterior do STF.
Antes, Mendes, relator da RCL 64.762, considerou que o TRT10 não havia cumprido “as decisões desta Suprema Corte acerca da matéria” ao reconhecer o vínculo entre a Prudential e o ex-franqueado. Assim, havia determinado que o TRT10 proferisse outro acórdão, “nos termos da jurisprudência desta Corte, levando em consideração, especialmente, o entendimento firmado no julgamento da ADPF 324 [Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada em 2018, que considerou lícita a terceirização em todas as atividades empresariais, seja atividade-fim ou meio]”. A decisão foi mantida, de forma unânime, pela 2ª Turma do STF.
Entretanto, no início de agosto, o TRT10 julgou o caso da mesma maneira que havia feito anteriormente, mantendo, também de forma unânime, o entendimento de que havia vínculo empregatício.
Para a desembargadora Maria Regina Machado Guimarães, a reclamada disse ao STF que a controvérsia travada nestes autos “corresponde à licitude da ‘terceirização’ da atividade-fim da empresa tomadora através de contratos de prestação de serviços profissionais por meio de pessoas jurídicas ou sob a forma autônoma, a chamada ‘pejotização”, o que não corresponde à realidade acerca da questão debatida nesta reclamação trabalhista”.
“O debate levado a efeito nesta ação gravita em torno da regularidade do contrato de franquia celebrado entre a empresa reclamada e o reclamante, pessoa física, para este trabalhar como corretor”, afirma a magistrada.
A nova decisão de Gilmar Mendes
Na decisão de cassação na última sexta (20/9), Gilmar Mendes reafirmou que “ao contrário do assentado pelo TRT da 10ª Região, o entendimento firmado na ADPF 324 é claramente aplicável ao caso dos autos”.
O processo envolve a relação entre a Prudential e um ex-franqueado que atuava como corretor de seguros. O TRT10 havia decidido pela existência de vínculo empregatício, argumentando que o contrato de franquia firmado entre as partes foi desvirtuado, caracterizando uma relação de trabalho nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo a decisão do TRT10, mesmo sob um contrato de franquia, a relação atendia aos requisitos do vínculo empregatício previstos no artigo 3º da CLT.
No entanto, segundo Mendes, o contrato de franquia é regido por legislação específica e não implica, por si só, vínculo de emprego, a menos que haja vício de consentimento ou outra irregularidade na sua execução, o que não ficou comprovado no caso, de acordo com o ministro.
No processo, a Prudential alegou que o ex-franqueado é uma pessoa com alta qualificação educacional e financeira, sendo graduado em Letras e Direito, além de possuir uma pós-graduação em Direito Penal, e que seu faturamento mensal chegava a R$ 22 mil. Esses fatores, segundo a empresa, caracterizam o ex-franqueado como “trabalhador hipersuficiente”, isto é, um indivíduo com alto grau de autonomia e capacidade de negociação contratual, o que afasta a presunção de subordinação inerente a um contrato de emprego.
“Por ocasião do julgamento da ADPF 324, apontei que o órgão máximo da Justiça especializada (TST) tem colocado sérios entraves a opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo”, escreveu Mendes na decisão. “Ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria”.
Para Mendes, “não ficou demonstrado pela Justiça do Trabalho qualquer vício de consentimento ou coação da parte beneficiária para que firmasse contrato com a reclamante. Assim, há que se reconhecer a validade de avença firmada entre as partes, plenamente capazes, acerca do modo de contratação”.
O ministro considera que, “ao contrário do assentado pelo TRT da 10ª Região, o entendimento firmado na ADPF 324 é claramente aplicável ao caso dos autos, que trata da contratação de pessoa jurídica para prestação de serviço inerente à atividade-fim da contratante, qual seja a venda de seguros de vida”.
A decisão de Mendes segue a linha da jurisprudência recente do STF, que vem consolidando a flexibilização das formas de contratação no mercado de trabalho. “Se a Constituição Federal não impõe um modelo específico de produção, não faz qualquer sentido manter as amarras de um modelo verticalizado, fordista, na contramão de um movimento global de descentralização”, disse o ministro na decisão envolvendo a Prudential.
Para Pedro Mansur, diretor jurídico da Prudential, “com esta nova decisão do STF, que se soma a outras 25 proferidas por praticamente todos os ministros em sede de reclamação constitucional, sempre determinando a cassação e/ou a improcedência da reclamação trabalhista – e, portanto, reconhecendo a validade do padrão de franquia – resta textualmente ratificada a aplicação dos precedentes vinculantes do Supremo, notadamente da ADPF 324, aos casos envolvendo a franquia da Prudential”. “A lei de franquia é de uma claridade solar ao estabelecer, no caput de seu artigo inaugural, a inexistência de relação de emprego entre franqueadora e franqueado. De mais a mais, os donos de unidades de franquia da Prudential, além de preencherem todos os requisitos que os caracterizam como hipersuficientes e, com isso, plenamente capazes de decidir sobre o modelo de negócio que estão contratando, são corretores de seguros, o que, também por força normativa, os impede de possuir vínculo empregatício com sociedades seguradoras”, afirmou.
A nova decisão de Gilmar Mendes foi tomada na RCL 71.295.
Fonte: Jota, 24 de setembro de 2024