Marketplaces: o que justifica a responsabilidade?

É inegável que houve uma evolução no tratamento dos marketplaces, com muito mais clareza referente à tributação de suas atividades próprias

Pilar Coutinho

Temu: “Compre como um bilionário”. É a proposta de valor da empresa que brinca com nossos sonhos e hábitos de consumo. OLX: “Desapega, desapega.” É o slogan que cola na mente. Em poucas palavras, cada uma dessas plataformas digitais visa indicar qual é sua única proposta de valor. Em comum, operam no mercado digital, mas sob esse guarda-chuva, encontram-se serviços e modelos de negócios muito distintos.

A tributação das atividades prestadas e bens vendidos por essas plataformas digitais já rendeu dissertações de mestrado, teses de doutorado, instruções normativas e muita dor de cabeça. Na perspectiva internacional, a questão da tributação da renda dessas empresas, muitas vezes quase intangíveis, é uma das causas do projeto BEPS. Na perspectiva nacional, é inquestionável que a repartição tributária em produtos industrializados, serviços e mercadorias criava desafios para o adequado enquadramento tributário de suas atividades.

Portanto, a criação do IBS e da CBS com uma base ampla de tributação do consumo, abrangendo operações onerosas com bens – inclusive intangíveis – e serviços, é um passo significativo para concretizar a neutralidade na tributação dessas atividades.

Além disso, espelhando mudanças que aconteceram em outros lugares do mundo, no projeto de lei da reforma (artigo 23, PLP nº 68/2024) reconheceu-se que as plataformas digitais, ainda que domiciliadas no exterior, serão responsáveis pelo recolhimento do IBS e da CBS. Para tal, entende-se por plataforma digital a entidade que (i) atua como intermediária entre fornecedores e adquirentes de forma não presencial ou por meio eletrônico (ii) e que, ao mesmo tempo, controla algum elemento essencial à operação (artigo 23, parágrafo 1º, PLP nº 68/2024).

Nesses elementos, encontram-se desde situações que indicam alguma detenção econômica (cobrança, pagamento), o que viabiliza alguma espécie de “retenção”, até aspectos acessórios (definição de termos e da entrega), forçando os limites da atribuição de responsabilidade (relação indireta com o fato gerador (artigo 128, CTN).

O conceito merece algumas reflexões. O primeiro é que existem diversos tipos de plataformas digitais, algumas que operacionalmente tem alguma dose de controle nos pagamentos, na emissão de notas, e, portanto, algum controle na manifestação de capacidade contributiva demonstrada na operação. E outras que se aproximam muito mais de uma vitrine coletiva em que a plataforma digital não tem qualquer controle da concretização econômica das operações ocorridas. Será adequado tratar essas duas realidades da mesma forma? Será plausível e controlável para fins tributários?

No parágrafo 2º do artigo 23, indica-se que não são consideradas plataformas digitais entidades que exerçam exclusivamente algumas atividades tais como publicidade e busca de fornecedores. Essa excludente poderá permitir que certas plataformas adequem seu modelo de negócio para publicidade, escapando portanto da regra da responsabilidade. Gera ainda exclusão do âmbito da responsabilidade de entidades que controlam indiretamente a demonstração de capacidade contributiva (capacidade econômica referente ao processamento de pagamentos), enquanto entidades que controlam elementos acessórios continuam sujeitas à responsabilidade (definição de termos/condições e entrega).

É, portanto, inegável que houve uma evolução no tratamento dos marketplaces, com muito mais clareza referente à tributação de suas atividades próprias e seu enquadramento, portanto, como contribuintes . No entanto, deveria ser levado em consideração na delimitação da responsabilidade tributária alguns elementos como: (i) a existência de mais de um tipo de marketplace, (ii) a detenção direta ou indireta de controle sobre a capacidade econômica revelada na operação pela plataforma, (iii) a coerência dos mecanismos de inclusão e exclusão da responsabilidade a partir da viabilidade operacional desse controle.

Essas reflexões iniciais sobre o tema decorrem de reunião realizada no Núcleo de Estudos em Tributação e Empreendedorismo – NETE da PUC Minas, em reunião temática sobre a Reforma Tributária e Economia Digital, com participação brilhante da professora Dra. Jaqueline Mayer da Costa Ude Braz.

Fonte: Valor Econômico, 24 de maio de 2024

Share on twitter
Share on facebook
Share on linkedin
Share on email
Podemos ajudar?