Lojistas pressionam shoppings para ter contrato similar ao de âncoras

Modelo sugerido é aquele que define um percentual fixo sobre o faturamento, incluindo aluguel, condomínio e fundo de promoção

Fátima Fernandes

O assunto era motivo de preocupação antes da pandemia. Agora, os shoppings estão até em fase de criar grupos para discutir o que vem por aí nos novos contratos de locação de espaços.

O modelo tradicional, utilizado há décadas para lojas satélites, prevê os seguintes pagamentos:  aluguel (um valor fixo ou um percentual sobre a venda), condomínio e fundo de promoção.

O aluguel depende do tamanho da loja e da empresa de shopping, assim como o fundo de promoção, que varia de 10% a 20% sobre a receita. O condomínio é rateado entre os lojistas.

O que acontece neste momento é uma pressão maior dos lojistas para estabelecer um percentual fixo de ocupação, incluindo tudo: aluguel, condomínio e taxa de publicidade.

As âncoras, tradicionalmente, já possuem contratos com base em percentuais sobre as vendas. Dependendo da força da marca, os shoppings chegam até a arcar com a reforma da loja.

A novidade agora é que contratos com base em CTO (Custo Total de Ocupação) de lojas satélites, as menores, começam a pipocar em vários shoppings do país.

Paulo Matos, diretor-geral da Tommy Hilfiger Brasil, com 25 lojas próprias, 60 franquias e 1.600 multimarcas no país, diz que tenta firmar contratos a base de CTO já há algum tempo.

“É o nosso desejo para termos uma parceria real de longo prazo com os shoppings, mitigando as correções pelo IGP-M ou pelo IPCA que, após um tempo, inviabilizam qualquer negócio.”

A condição justa para todos os lojistas e shoppings, diz ele, é: vendeu, pagou. O fato é que em shoppings mais maduros, de acordo com Matos, essa condição ainda é repudiada.

“As marcas mais fortes estão sim tentando negociar os novos contratos com base em CTO, o que é interessante, pois há previsibilidade sobre as contas”, afirma o advogado Daniel Cerveira.

Shoppings que estão com maior dificuldade para reduzir a vacância, diz ele, também estão fechando contratos com um percentual fixo sobre o faturamento.

Mauro Francis, presidente da Ablos (associação de lojas satélites), afirma que o pleito do setor para firmar contratos à base de CTO não é de hoje e só shopping com vacância aceita.

Só que, depois da pandemia, diz ele, aumentou o número de contratos com base em um percentual fixo sobre o faturamento das lojas.

“O empreendedor não quer ficar com lojas vazias e, para segurar o lojista, sabe que tem de dar condição para a sobrevivência do negócio”, diz.

ARRECADAÇÃO E RENTABILIDADE

Em conversa com o Diário do Comércio, um executivo de uma das maiores empresas do setor confirma a pressão e levanta uma questão.

Se essa moda pega, de onde virá a arrecadação e a rentabilidade dos shoppings daqui para a frente? Essa é uma pergunta que os executivos estão fazendo e buscando respostas.

Um shopping center, diz, é montado com base em três orçamentos: aluguel, condomínio e fundo de promoção. O que vai para os donos do empreendimento mesmo é o aluguel.

O valor do condomínio vai para pagar despesas operacionais, como limpeza e segurança, o mesmo acontece ou deveria acontecer com a taxa de publicidade (gastos com promoções).

A cobrança de um percentual fixo incluindo os três orçamentos, de acordo com o executivo, altera todo o sistema de arrecadação dos empreendimentos.

É por isso, diz ele, que a questão começa a ser cada vez mais discutida nas cúpulas das administradoras dos centros comerciais e até mesmo entre as empresas concorrentes.

O PODER DAS MARCAS

Algumas marcas têm mais poder para negociar contratos a base de CTO, de acordo com apuração do Diário do Comércio.

Algumas, citadas por lojistas, executivos de shoppings e consultores de varejo são: Hugo Boss, Calvin Klein, Lacoste, Ellus, Richards, Bobstore, Mandi, Salinas, Le Lis Blanc. Há outras.

Tonny Bonna, diretor da AD Shopping para as regiões Norte e Nordeste, diz que a demanda para fechar contratos com base em CTO sempre existiu.

É mais comum com lojas âncoras e com restaurantes, academias, clínicas, diz, quando as marcas são consideradas a força motriz dos empreendimentos.

“Agora, movimento de acabar com o aluguel não existe. O que existe, em alguns casos, é uma negociação em que uma loja fica um ou dois anos sem pagar. É tudo questão de interesse”, diz.

CONTRATO

O Diário do Comércio teve acesso a um contrato de lojista com uma das maiores empresas de shoppings do país firmado com base em CTO por um prazo de dois anos.

Diz o contrato: “as partes ajustaram uma condição diferenciada em relação ao aluguel e a forma de pagamento das despesas locatícias para os primeiros 24 meses da locação”.

Neste caso, o contrato diz que o “locatário efetuará o pagamento correspondente a 10% do seu faturamento bruto ou o valor de R$ 60 mil, o que for maior (custo de ocupação)”.

Cita ainda que, “durante o prazo, o locatário ficará isento do pagamento do aluguel mínimo reajustável”.

Do valor pago para o pagamento do custo de ocupação mensal, diz o contrato, deverão ser descontadas as despesas dos encargos comuns da locação, ficando certo que o saldo remanescente será destinado ao pagamento do aluguel.

Na hipótese de o custo de ocupação ser insuficiente para arcar com os encargos comuns, cita o texto, a locadora arcará com a diferença apurada entre o custo de ocupação e os encargos.

Esses são trechos de parte de contrato que tem circulado entre shoppings e lojistas. Os modelos variam de acordo com os empreendimentos, marcas e interesses de ambas as partes.

PRÓS E CONTRAS

Cerveira diz que contratos com base em CTO têm pontos positivos, como a previsibilidade nas contas a pagar, e ainda fugir de rateio de condomínio, mas também têm pontos negativos.

Em caso de o índice de reajuste acertado entre as partes, o IGP-M, por exemplo, subir demais, tudo sobe na mesma proporção, mesmo que o condomínio não tenha sido alterado.

“O lojista também tem de pensar em uma eventual renovação judicial do contrato, pois peritos e juízes, algumas vezes, têm dificuldade de avaliar contratos com base em CTO”, diz.

É importante, portanto, de acordo com Cerveira, formatar um contrato já considerando tanto o índice de reajuste e uma eventual renovação judicial.

Outro ponto ao qual os lojistas devem ficar atentos é quando o shopping oferece para pagar a reforma da loja, o que tem acontecido desde a pandemia.

Se por algum motivo o comerciante sair antes do prazo acordado, diz, pode ter de reembolsar o valor total gasto pelo shopping na reforma (allowance).

Geralmente, o shopping cobra do comerciante todo o valor, diz Cerveira, mas já há decisão da Justiça para pagamento proporcional ao período que a loja permaneceu no empreendimento.

“Entendo que o shopping também não pode cumular a devolução do allowance com a multa contratual porque seria dupla penalidade, oriundas do mesmo fato gerador (bis in idem)” diz.

ANÁLISE

“O CTO é prerrogativa de âncoras e semi-âncoras. O lojista satélite pode até querer, mas não consegue, na maioria dos casos, porque isso afeta a receita dos shoppings”, afirma Marcos Hirai, sócio-fundador do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas).

Neste caso, diz, a situação da maioria dos lojistas satélites é parecida com a de sindicatos de trabalhadores. “O sindicato quer trabalho de segunda a quinta-feira. Consegue? Não”.

Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls, diz que essa demanda dos comerciantes não é nova, e a pressão sempre existiu.

“Todo lojista gostaria de pagar um percentual pequeno sobre a venda para o shopping. Isso vai depender de quanto o shopping quer ou não determinada marca” diz.

ON-LINE

Outra discussão que tem tomado tempo de shoppings e comerciantes é a venda on-line, se entra ou não no faturamento de determinada loja instalada em um empreendimento.

Se o lojista direciona a venda para o canal on-line, a receita da loja diminui e ele paga menos pelo CTO, caso o contrato tenha sido feito com base em um percentual fixo sobre a venda.

O Diário do Comércio apurou que tem muito shopping discutindo essa questão internamente.

Até porque é cada vez mais comum o consumidor ir a uma loja, gostar de um produto, mas concluir a compra pela internet.

Diante dessas questões, alguns shoppings já levantaram a possibilidade até de cobrar do lojista não mais pela venda, mas pelo fluxo de pessoas.

O raciocínio é o seguinte: se o lojista não consegue levar para a loja uma quantidade suficiente de clientes para mantê-la, esse é um problema dele, não do shopping.

Um executivo de shopping chega a dizer que, pela primeira vez, em alguns empreendimentos, quem tem mais poder de negociação hoje é o lojista, não mais as administradoras.

Alguns consultores de varejo e lojistas dizem que não é bem assim.

A pressão é maior, mas ainda há muita resistência dos shoppings para a flexibilização de contratos de locação, especialmente dos mais consolidados e em São Paulo.

Fonte: Diário do Comércio, 28 de março de 2024

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