Movimento é reflexo da dificuldade para renegociar contratos de locação e obter a isenção do 13º aluguel, principalmente, em momento de baixo consumo
Fátima Fernandes
Com 120 lojas, das quais 98% em shoppings, a rede de franquia Tip Top, de roupas para bebês, decidiu, pela primeira vez em sua história, focar a expansão em lojas de ruas.
No primeiro semestre deste ano, quatro lojas devem abrir em Araraquara (SP), Sorriso (MT), Dourados (MS) e Aracaju (SE). Até o final do ano, serão pelo menos dez em ruas.
Com 28 lojas próprias e nove franquias, a rede MOB, especializada em roupas femininas, segue o mesmo caminho desde o ano passado.
Em agosto de 2020, abriu uma loja na Vila Leopoldina. No final do ano, inaugurou outra no bairro do Campo Belo. Ambas em São Paulo.
A rede, que estuda expansão em outros endereços, fechou loja no shopping Iguatemi de Porto Alegre (RS) para abrir uma franquia no bairro Moinhos de Vento.
Outras duas lojas foram abertas recentemente em Limeira (SP) e Sinop (MT).
Lojistas que há décadas só tinham olhos para as dezenas de shoppings que abriam durante o ano, estão contratando até especialistas em endereços comerciais para fincar a marca.
O motivo, de acordo com lojistas, é um só: a pandemia do novo coronavírus, e seus efeitos, estressou ainda mais as relações entre comerciantes e donos dos shoppings.
A queda de braço envolve, principalmente, contratos de locação, custos de operação, 13º aluguel e até falta de transparência, de acordo com lojistas, nos gastos dos centros comerciais.
“Até antes da pandemia, estávamos 100% focados em shoppings. Agora, estamos vendo pontos em ruas de São Paulo e de outras cidades”, afirma David Bobrow, sócio da Tip Top.
“O boleto da loja de 100 metros quadrados do Iguatemi de Campinas era de R$ 58 mil mensais. Em uma casa de 350 metros quadrados na rua pago R$ 8.500 por mês”, diz Ângelo Campos, sócio da MOB.
A migração de redes tradicionais dos ambientes de shoppings para as ruas é um processo natural na medida em que comerciantes e donos de shoppings não se entendem, na avaliação de Tito Bessa, presidente da Ablos, associação que reúne os lojistas de shoppings.
No interior de vários Estados, diz ele, que é sócio da rede TNG, tem muita oportunidade em ruas e também em shoppings menores.
“Eu pagava R$ 50 mil por mês para ter loja em um shopping em Ribeirão Preto (SP). Agora pago R$ 7 mil para ter uma loja na rua. Uma dava prejuízo e a da rua dá um pouco de lucro”.
Grandes redes como Renner, C&A, de acordo com especialistas em varejo, contrataram corretores de imóveis para procurar bons pontos por todo o país.
O foco são as cidades com cerca de 150 mil habitantes. E os imóveis que interessam são os de cerca de 1.500 metros quadrados com aluguel de R$ 25 mil a R$ 30 mil por mês.
“Os shoppings precisam entender que eles são importantes para os lojistas, mas não são os únicos. As marcas fazem a variedade e levam fluxo para os centros comerciais.”
Cabe a partir de agora, de acordo com Bessa, uma maior atenção por parte dos lojistas na hora de assinar contratos de locação com os shoppings.
“O que o lojista tem de fazer é não assinar se o contrato não for bom para ambas as partes. Ninguém assina um contrato sob tortura”, diz ele.
A Abrasce, associação que reúne os shoppings, informa que, desde o início da pandemia o setor sempre esteve aberto ao diálogo, buscando entender a realidade dos lojistas caso a caso.
JUSTIÇA
As restrições impostas pelo governo paulista para o funcionamento do comércio contribuíram para exaurir as relações entre os comerciantes e os administradores de shoppings.
O escritório de advocacia Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen e Longo cuida de pelo menos 200 ações de lojistas que recorreram à Justiça para conseguir a redução de aluguel.
“São ações que se acumulam desde o ano passado em contratos de locação com shoppings, imóveis em ruas e até em aeroportos”, diz Francisco Bloch, advogado do escritório.
Devido às discussões judiciais, a inadimplência das lojas em shoppings atingiu um dos patamares mais elevados da sua história. Fala-se em taxas da ordem de 35% a 40%.
A Gercon, empresa de assessoria contábil, com clientela formada por lojas e restaurantes da região da Lapa, informa que a situação do comércio de rua é a mesma.
“Tem lojista com dívida muito alta, envolvendo aluguel, impostos, água, energia e verbas trabalhistas. A reserva, se havia, acabou”, diz Ivanildo Aristides, dono da Gercon.
Antes da pandemia, o escritório de Aristides tinha cerca de 150 clientes, o que foi reduzido para algo próximo a 80.
Neste momento, a Gercon cuida do fechamento de 16 empresas da região da Lapa e do processo para tornar outras 15 inativas. “Geralmente, as que fecham não abrem mais.”
O acumulo de empresas fechadas deve aparecer no próximo levantamento que está para ser divulgado pela Boa Vista, empresa de informações de crédito.
O último dado divulgado pela Boa Vista, até o terceiro trimestre de 2020, indicava queda na inadimplência de empresas mesmo em momento crítico de aperto financeiro.
Isso aconteceu, de acordo com Flávio Calife, economista da Boa Vista, porque houve postergação de cobranças.
“É possível que já apareça no quarto trimestre de 2020 uma piora na inadimplência porque já não há mais postergação de parcelas e o ambiente econômico não melhorou”, diz Calife.
Fonte: Diário do Comércio, 5 de Fevereiro de 2021