Lojistas conseguem na Justiça reduzir aluguéis

Decisões garantem redução de 50% ou percentuais variáveis, conforme os planos de reabertura

Beatriz Olivon

Comerciantes têm conseguido na Justiça reduzir valores de aluguéis cobrados por shoppings e aeroportos, mesmo depois da reabertura parcial das lojas. Há decisões recentes de primeira e segunda instâncias concedidas a lojistas de São Paulo e Belo Horizonte. Dão desconto de 50% por determinado período ou estabelecem percentuais para cada fase de retomada do comércio.

Na Justiça, porém, os lojistas não têm conseguido suspender integralmente os pagamentos. O caminho, então, pode ser a negociação extrajudicial. Levantamento da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) mostra que os empreendimentos já deixaram de cobrar de R$ 3,5 bilhões de lojistas, por meio de adiamento ou suspensão de despesas – aluguéis, condomínios e fundos de promoção.

Acordos globais entre lojistas e shoppings foram realizados no começo da pandemia. Com a retomada parcial das atividades, as negociações passaram a ser individuais, segundo Nabil Sahyoun, presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop).

A conta, porém, afirma Sahyoun, ainda não fecha. “Hoje trabalhamos com 40% do faturamento do mesmo período do ano passado”, afirma. O maior prejuízo, acrescenta, é das lojas pequenas e nas cidades que seguem com horário mais limitado para funcionamento. De acordo com o presidente, os prejuízos dos lojistas no país passam de R$ 40 bilhões.

Nesse cenário, sem negociações, alguns lojistas decidiram buscar a Justiça. Nas ações, pedem a suspensão dos aluguéis ou a redução dos valores por causa da pandemia de covid-19. Alegam desequilíbrio no relacionamento contratual das partes, em consequência de caso fortuito ou força maior.

Os lojistas pedem a renegociação dos valores com o argumento de que, desde o fechamento das lojas ou redução do horário de funcionamento, não conseguem ter o mesmo faturamento previsto quando alugaram os espaços.

No shopping Pátio Higienópolis, na capital paulista, uma loja de roupas decidiu pedir na Justiça a redução por causa do fechamento por mais de 90 dias. Obteve uma decisão diferenciada (processo nº 1057285-27.2020.8.26.0100). Os descontos serão reduzidos ao longo do tempo conforme avança o plano de reabertura determinado pelo governo do Estado.

“Quando da celebração da avença contratual mencionada, a autora não tinha como prever o advento de uma pandemia dessa envergadura”, afirma na decisão o juiz Mario Chiuvite Júnior, da 22ª Vara Cível de São Paulo.

Em Belo Horizonte, a Associação de Lojistas de Shopping Centers de Minas Gerais entrou na Justiça com pedido de redução de aluguel para os comerciantes do BH Shopping, apesar de ter conseguido alguns benefícios. A entidade considerou que as medidas não seriam suficientes. A decisão, no caso, foi dada pela juíza Claudia Coimbra Alves, da 11ª Vara Cível da capital. Ela determinou a suspensão da exigibilidade de 50% do aluguel mínimo (processo nº 5050463-48.2020.8.13.0024).

Por meio de nota, a Multiplan, administradora do shopping, informa que, durante os meses de suspensão total das suas operações, voluntariamente aplicou redução integral dos aluguéis dos locatários que se mantiveram adimplentes, até 50% de redução nos encargos condominiais comuns e até 100% de redução nas taxas.

No Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, uma loja do setor de alimentação conseguiu a redução depois de recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A 30ª Câmara de Direito Privado concluiu que as circunstâncias do caso justificam a diminuição dos aluguéis em 50% por 90 dias (processo nº 2072070-83.2020.8.26.0000). Para o relator, desembargador Marcos Ramos, a divisão do ônus se apresenta como o caminho adequado e razoável no momento.

Para o relator, a situação excepcional e imprevisível envolvendo a pandemia traz impacto direto no contrato firmado entre as partes e interfere no exercício da atividade empresarial com drástica e repentina redução do faturamento. “Tais circunstâncias, ao menos por ora, justificam a revisão do pacto, inclusive para prestigiar a manutenção da empresa autora”, afirma Ramos.

Em nota, a administradora do aeroporto, GRU Airport, diz que vem negociando com seus lojistas medidas para enfrentamento dos impactos econômicos da pandemia, já tendo chegado a mais de 70 acordos. Os processos judiciais individuais, “fruto de iniciativas de uma minoria”, segundo a empresa, vêm sendo defendidos regularmente.

O advogado das empresas paulistas, Daniel Cerveira, do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen e Longo Advogados, afirma que as ações se baseiam no Código Civil e na teoria da imprevisão – segundo a qual quando um fato imprevisível e extraordinário acontece gerando desequilíbrio contratual, a parte prejudicada pode pedir a revisão do contrato ou rescindi-lo sem penalidade. Ainda segundo o advogado, os acordos têm sido mais comuns do que as ações judiciais.

Segundo Wilson Sahade, advogado especialista em direito empresarial e sócio do escritótio Lecir Luz e Wilson Sahade Advogados, as consequências da pandemia atingem as relações jurídicas em vigor. Ele entende que as renegociações seriam necessárias para manter a boa-fé do contrato. “É uma impossibilidade temporária de pagamento, não prevista contratualmente, que ocasionou onerosidade excessiva”, diz.

Por causa da força maior, o contratante não fica submetido à mora, o atraso no cumprimento das obrigações que pode gerar multa e cobrança de juros, afirma Renato Gomes, do escritório Gomes, Almeida e Caldas. “Na prática, muitos locadores entendem isso e concedem descontos de 30% a 50% porque sabem que quem levar a questão ao Judiciário vai ganhar”, diz. Ele acrescenta que a revogação das decisões levará ao pagamento dos valores devidos.

Procurada, a administradora do Pátio Higienópolis não deu retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Jornal Valor Econômico, 19 de agosto de 2020

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