Ricardo Bomfim
Shopping center não pode fixar “luvas” (quantia cobrada pelo locador pela reserva ou preferência do imóvel) e aluguel baseados na promessa de que um lojista terá visibilidade por estar no corredor entre duas alas do estabelecimento e depois descumprir a palavra. Com base nesse entendimento, o juiz da 10ª Vara Cível de São Paulo, Alexandre Bucci, determinou a revisão dos valores de locação e de “luvas” pagos pela loja Couro & Cia no shopping Pátio Paulista.
Em 2012, quando a loja entrou em contato com o shopping, comprou um ponto afastado que, ao que dizia a administração, seria rota obrigatória das pessoas que quisessem ir à parte nova do centro comercial, que estava em reformas para fazer uma expansão. Contudo, as obras foram paralisadas pelas investigações da chamada “máfia dos fiscais”, esquema em que fiscais da prefeitura davam descontos na cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) e embolsava uma parte dos valores pagos em tributos.
As obras, previstas para acabar ainda em 2012, só foram finalizadas em outubro de 2016. Durante esse período, a loja continuou a pagar um aluguel “diferenciado” ao shopping, mas sem usufruir do maior fluxo de pessoas que era previsto com a expansão.
Segundo Francisco dos Santos Dias Bloch, um dos dois advogados responsáveis pela ação, o artigo 422 do Código Civil estabelece o princípio da boa-fé objetiva nos contratos, de modo que o juiz se sentiu no dever de intervir no contrato por conta de uma expectativa que foi criada e não foi cumprida.
“Meu cliente se comprometeu a um valor maior porque sua loja ficaria no corredor, mas colocaram um tapume na frente e a loja ficou em um beco isolado dos demais setores do shopping”, afirma.
Embora a diferenciação na locação e nas “luvas” por conta da expectativa de maior movimento não estivesse estabelecida no contrato, vários e-mails que fizeram parte das provas do processo revelaram que essa expectativa foi criada e que o negócio só foi fechado por causa disso.
A administração do centro comercial se defendeu alegando que o baixo faturamento apurado pela loja poderia não ser culpa do fluxo menor que o esperado de pessoas naquele corredor, e sim do desconhecimento da marca em São Paulo, uma vez que a Couro & Cia é mais famosa no Nordeste. Assim, os lojistas estariam querendo rever o contrato para fugir dos problemas inerentes ao negócio.
O juiz entendeu que, apesar de os empresários donos da loja não poderem se isentar dos riscos da exploração comercial, é necessário que se faça justiça contratual.
“Ainda que equivocada a menção mais drástica feita pelo autor à expressão ‘beco’ e para além da resistência pericial em apontar o descumprimento contratual que deve mesmo pesar sobre os ombros das corrés fato é que a expansão quando concluída inegavelmente trouxe um fluxo maior de pessoas ao Shopping Pátio Paulista”, apontou o magistrado.
Alexandre Bucci fixou uma redução de 59,88% nos valores do vínculo durante o período em que vigorou o contrato, de abril de 2012 a 19 de agosto de 2014.
Fonte: Consultor Jurídico, 3 de fevereiro de 2019