Locação ou participação em evento

Já há algum tempo, quem utiliza o metrô, acostumou-se aos boxes espalhados pelas galerias, que oferecem de tudo: roupas, doces, bijuterias, entre outros.

Ora, a idéia é excelente, pois não há porque manter os espaços vazios, considerando a multidão de pessoas que circulam pelas estações.

Assim, pequenos comerciantes têm a oportunidade de esquivar-se das dificuldades macroeconômicas e o Estado é remunerado.

Todavia, como em qualquer outro mercado, a realidade é dura e acompanhada de abusos sofridos pelo lado hipossuficiente.

Tem-se notícia de contratos de locação de espaços nas estações do metrô, nos quais o “Promotor” (locador/cessionário) os intitula “Contrato de Participação”, com o objetivo de afastar a aplicação da Lei do Inquilinato, sob o argumento de que o conjunto das atividades comerciais/serviços se trata de uma feira/evento.

Outrossim, além de inúmeras cláusulas ilegais, é comum atos arbitrários, como o arrombamento e remoção das mercadorias. Só a ameaça de arrombamento, que no contrato em tela significa “interromper o seu uso com o fechamento”, é o bastante para causar danos emocionais seríssimos.

Obviamente, que dependendo do caso concreto, não há que se falar em incidência da Lei do Inquilinato (principalmente, quando não há de logo, o animus de permanência), salientando-se que existem meios legais para proteger o locador e maximizar o seu rendimento.

Em que pese o constante no item 1, da alínea “a”, do parágrafo único, do artigo 1º, inequivocamente, a Lei nº 8.245/91 incide na avença em pauta (locação de Box por empresa cessionária de direitos do Poder Público), como corrobora o seguinte julgado:

“DESPEJO – DENÚNCIA VAZIA (ARTIGO 57 DA LEI 8.245/91) – CESSIONÁRIA DE BEM PÚBLICO E TERCEIRO – EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE LUCRATIVA- SUJEIÇÃO À LEI DO INQUILINATO- ADMISSIBILIDADE – INOPONIBILI-DADE DA EXCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 1° DA LEI 8.245/91. A relação obrigacional envolvendo cessionária de uso de bem público e terceiro, que nele explora atividade lucrativa, reger-se – à pela lei do inquilinato, sujeitando-se o ocupante a retomada imotivada, sendo inoponível a exclusão do parágrafo único do artigo 1° da lei 8.245/91”.

(2º TAC/SP, AP. S/ REV. 432.107, 7ª CÂM., REL. JIZ DEMÓSTENES BRAGA, J. 30-05-1995).

Em sendo aplicada a Lei do Inquilinato nos contratos de locação de boxes, é evidente que os locatários e os locadores estão sujeitos às previsões legais competentes.

Nesse diapasão, a ação cabível para a retomada é a de despejo, isto é, não é constitucionalmente permitido o desfazimento do Box ou o seu arrombamento. Por outro lado, é evidente que, desde que preenchidos os requisitos legais, é possível a propositura da ação renovatória de contrato de locação, como também, a ação revisional de aluguel.

A fim de eliminar qualquer dúvida, segue decisão do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que como de costume, é certeiro:

“DESPEJO – DENÚNCIA VAZIA – IMÓVEL PARA FIM NÃO RESIDENCIAL – CESSÃO DE DIREITOS PELO PODER PÚBLICO – OCUPAÇÃO DO IMÓVEL A TÍTULO DE LOCAÇÃO – APLICABILIDADE DA LEI LOCACIONAL A relação da obrigação entre a cessionária de bem público (Apelante) e terceiro (Apelada), para exploração de atividade comercial lucrativa, rege-se pela lei do inquilinato e sujeita as partes às suas normas, impondo à ocupante a retomada imotivada, pois não lhe cabe discutir as razões subjetivas da pretensão”.

(2º TAC/SP, Ap. s/ Ver. 562.144-00/6- 10ª Câm. – Rel. Juiz IRINEU PEDROTTI – J. 15.12.99)

Anotação no mesmo sentido: quanto à box ou módulo em terminal rodoviário JTA (LEX) 174/579

Vale trazer a tona, ainda, decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que condenou o locador em prestar indenização por danos morais (os danos materiais não ficaram comprovados), em vista de conduta arbitrária, representada pela demolição da área ocupada:

“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE C/C REPARAÇÃO DE DANOS – DEMOLIÇÃO DE BOX LOCADO – VENCIMENTO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO – USO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES – ILEGALIDADE – INDENIZAÇÃO DEVIDA – DANOS MATERIAIS – LUCROS CESSANTES – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO – IMPROCEDÊNCIA – DANOS MORAIS – ARBITRAMENTO – REMETIDO À LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – IMPOSSIBILIDADE – QUALIFICAÇÃO – PRUDENTE ARBÍTRIO. 1. Notificada a autora da não renovação do contrato de locação, não poderia a ré, manu militari, promover a demolição da área ocupada, porquanto dispunha de meios judiciais para solucionar o impasse. 2. Os danos emergentes e lucros cessantes não podem ser presumidos, e como a sentença não pode ser condicional, devem ficar provados na fase de conhecimento, sob pena de improcedência. 3. Considerando a arbitrariedade das medidas adotadas para a solução do impasse, extrapolando os limites do razoável, perfeitamente cabível a condenação por danos morais, em razão dos constrangimentos e da sensação de impotência causados. 4. Desnecessária liquidação de sentença apenas para o fim de arbitrar o valor da indenização devida a título de danos morais, quando, pelo conjunto probatório constante dos autos, restam perfeitamente delineados os elementos necessários à fixação da referida verba. 5. Recursos conhecidos. Desprovido o do autor e provido parcialmente o da ré. Decisão: Conhecer. Negar provimento ao recurso do autor e dar parcial provimento ao recurso do réu. Unânime”.

(TJ/DF, Processo: apelação cível 20030110045599APC DF, acórdão: 223399, órgão julgador: 4ª Turma Cível, data 15/08/2005, relator: Humberto Adjuto Ulhôa, publicação: Diário da Justiça do DF: 06/09/2005 Pág: 120)

Tudo o que foi aludido no presente, é cabível para qualquer situação semelhante, inclusive, shopping centers populares formados por boxes e/ou módulos.

A estabilidade das ocupações, com as configurações dos fundos de comércio poderiam servir como base para uma institucionalização do metrô, como centro de comércio e serviços, como já acontece em outras capitais do mundo, como Londres, por exemplo.

(*) Os autores são sócios do escritório Cerveira Advogados Associados.

Artigo publicado: Diário das Leis Imobiliário, 1 de julho de 2006

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