Limites da liberdade de contratação sobre cláusulas de não-concorrência em shopping Center

Pedro Gabriel Romanini Turra
Luiz Felipe Fogo

Com as mudanças no hábito de consumo e a expansão do comércio eletrônico, os shopping centers buscam estratégias para se adaptar ao espírito do tempo. Entre as medidas observadas, há alterações no tenant mix (com mais ênfase à alimentação, aos serviços e ao lazer) e o lançamento de projetos que integram empreendimentos imobiliários comerciais e residenciais no mesmo espaço.

Nesse cenário de mudanças, recentemente o Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria de votos, que um shopping no Rio de Janeiro não agiu de forma irregular ao permitir a instalação de um restaurante de culinária japonesa em frente a outro já existente. Contudo, tanto em primeira quanto em segunda instância, o entendimento foi diferente, demonstrando que não há consenso sobre a questão. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ao reformar a sentença, apontou a violação do tenant mix e determinou o pagamento de indenização. Vale dizer que a inauguração do concorrente ocorreu em 2018, quando a previsão contratual de preferência do primeiro restaurante já estava extinta.

Tal medida ocasionou uma série de debates sobre a vigência dos atuais contratos e um grande temor de alguns lojistas, que acreditavam gozar de preferência, ou até exclusividade, por optar em exercer sua atividade dentro de um shopping center.

Diante do cenário jurisprudencial, os advogados foram acionados por uma série de dúvidas e questionamentos acerca dos contratos desse segmento, especialmente no que se refere aos direitos e obrigações de cada uma das partes.

Natureza jurídica dos contratos de Shopping Center

Apesar de serem referenciados pela Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações), a qual determina, em seu artigo 54, que “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente compactuadas nos contratos de locação respectivos”, observado esse dispositivo legal, fica evidente a liberdade de condições pactuadas como um ditame nesse acordo comercial de natureza complexa.

Há de se observar também os princípios previstos no Código Civil Brasileiro, sendo a liberdade contratual fundamental para que as partes estabeleçam suas próprias regras no âmbito dos negócios. Esse princípio, no entanto, não é absoluto e deve ser balanceado com outros direitos e deveres, especialmente em ambientes de negócios complexos como os shopping centers.

A atipicidade dos contratos de shopping já foi objeto de discussão judicial, tendo Recurso Especial 178908 julgado que “os contratos de locação de espaços em shopping center são contratos atípicos, ensejando locação de bens e serviços”.

Desse modo, em atenção ao artigo 425 do Código Civil Brasileiro, há possibilidade de estipular contratos atípicos, desde que não contrariem a lei, considerando os elementos definidos pelas suas vontades e interesses.

Esses contratos geralmente incluem cláusulas que tratam não apenas do aluguel, mas também de aspectos como marketing, rateio de despesas comuns, obrigações de funcionamento e políticas de mix de lojas, todas voltadas para a manutenção de um ambiente comercial dinâmico e atrativo ao público.

Dentro desse contexto, a cláusula de exclusividade é um elemento comum nos contratos de shopping center, estabelecendo que o lojista terá exclusividade na exploração de determinado segmento ou tipo de produto dentro do empreendimento. No entanto, no sistema jurídico brasileiro, essa cláusula deve ser interpretada e aplicada com cautela.

Embora a exclusividade seja uma ferramenta para garantir a atratividade e a diversidade do mix de lojas, sua aplicação irrestrita pode ser questionada à luz dos princípios da livre concorrência e da função social do contrato, conforme estabelecidos pela Constituição e pelo Código Civil.

A limitação da cláusula de exclusividade busca equilibrar os interesses dos lojistas e do shopping center, bem como proteger os consumidores e o mercado. É essencial que essa cláusula seja redigida de forma clara e objetiva, especificando os limites de sua aplicação, a fim de evitar conflitos judiciais e assegurar que a sua implementação não configure abuso de poder econômico ou práticas anticompetitivas. Além disso, o desconhecimento dos lojistas sobre a possibilidade de concorrência, muitas vezes decorrente da falta de transparência nos contratos, reforça a importância de uma negociação equilibrada e da orientação jurídica adequada durante a celebração desses contratos.

Conclusão

A evolução do mercado e as mudanças nos hábitos de consumo exigem uma constante adaptação dos shopping centers, tanto na reconfiguração de seus espaços quanto na renegociação dos contratos com os lojistas. O entendimento da 3ª Turma do STJ sobre a não irregularidade da instalação de um restaurante concorrente em frente a outro dentro de um shopping no Rio de Janeiro é um importante precedente que reforça a importância da clareza nos contratos empresariais e da interpretação restritiva das cláusulas de exclusividade devido à complexidade e a delicadeza das relações contratuais nesse ambiente.

A liberdade contratual, embora seja um pilar fundamental nas negociações, não deve ser exercida de maneira irrestrita, devendo sempre ser harmonizada com os princípios da função social do contrato e da livre concorrência.

De maneira geral, a decisão do STJ deve ser vista como um avanço na jurisprudência, promovendo um mercado mais justo e competitivo, sem limitar a liberdade das partes, mas garantindo que essa liberdade seja exercida de forma responsável e em consonância com os princípios gerais do direito, especialmente com o conhecimento dos lojistas sobre as possibilidades existentes.

Fonte: Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2024

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