Expectativa do setor é que negociações levem a novo patamar para sobrevivência das lojas nesses centros comerciais, onde mais de 300 estabelecimentos fecharam as portas na Grande-BH, e 2.100 funcionários perderam os empregos
Elian Guimarães
A suspensão do despejo de uma lojista de um shopping de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, acendeu a esperança de jurisprudência para comerciantes desses centros comerciais que não conseguiram cumprir compromissos contratuais devido à pandemia da COVID-19. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou que a comerciante não pode ser despejada, mesmo tendo atrasado pagamentos. A decisão suspendeu. em caráter liminar, a ordem de desocupação emitida pela administradora à locatária.
A lojista requereu à administradora moratória dos pagamentos até janeiro de 2021. O desembargador José Marcos Rodrigues Vieira relatou, na decisão, que considera ilegal a ordem de desocupação, tendo em vista o cenário econômico atual.
O magistrado afirmou considerar “adequada a conservação do efeito suspensivo pelo menos até o julgamento definitivo do recurso”. A ação de despejo foi acatada em primeira instância. Desta forma, a empresa pode manter o funcionamento normalmente. O artigo 393 do Código Civil reconhece não haver responsabilidade contratual decorrente de força maior. Por isso, o advogado da comerciante, Marcelo Mantuano, explica que a excepcionalidade do caso, não prevista em contrato, não permitiu que as partes cumprissem o acordo.
A expectativa da locatária é que com as vendas tradicionais de final do ano, possa obter recursos para conseguir arcar com os pagamentos em atraso. De acordo como advogado, a decisão pode beneficiar (gerar jurisprudência) mais de 3 mil lojistas de shoppings de Minas Gerais.
Conforme dados da Associação de Lojistas de Shopping Centers de Minas Gerais (Aloshopping), cerca de 15% dos estabelecimentos fecharam as portas durante a pandemia, gerando cerca de 10 mil demissões.
O advogado da autora da ação lembra que a pandemia afetou a todos os ramos do comércio, mas a situação de lojistas de shoppings é diferenciada uma vez que, além do pagamento do aluguel do imóvel, há outras despesas, como condomínio e um fundo de divulgação que representa em torno de 20% do valor do aluguel. Mesmo não sendo decisão definitiva (caráter liminar, ainda aguarda o julgamento do objeto da ação), ele acredita que indica uma tendência do Judiciário em reconhecer que débitos no período da pandemia não podem penalizar o lojista com despejo.
“Negociação é a palavra-chave, a solução de tudo isso é negociação. Inclusive o poder judiciário tem incentivado a busca de entendimento, e só procurar direitos na justiça quando não houver conciliação”, recomenda.
O superintendente da Associação de Lojistas de Shopping de MG (Aloshopping), Alexandre Dolabella França, reconhece que durante a pandemia alguns shoppings foram sensíveis ao suspender a cobrança de aluguel ou oferecendo descontos de até 50% nos valores do condomínio. Mas a preocupação agora é como será “daqui para frente”. Mesmo com a reabertura desses centros comerciais em Belo Horizonte, em 12 de setembro, a recuperação se dará a longo prazo. As estimativas é de que as vendas ficaram entre 50% a 70% em setembro, em relação ao ano passado. “E não foram lineares, cada caso é um caso”, adverte o superintendente.
França lembra que, ao reabrir as portas, as despesas também retornaram, com a volta de funcionários, que estavam com contratos suspensos e enfrentando ainda a desconfiança e insegurança do consumidor diante das incertezas sobre medidas econômicas, com efeitos a médio e longo prazos.
Mesmo admitindo que as vendas tenham superado as expectativas, Alexandre traça um futuro sombrio e classifica como “demanda artificial” esses resultados. Ele reconhece que o “auxílio emergencial” pesou sobre a sustentação de algumas vendas, porém “tem dia e data para acabar”, 31 de dezembro. “É uma ilusão monetária que injetou R$50 bilhões ao mês na economia e agora está reduzido a R$20 bi (com a redução de de R$600 para R$ 300) e que vai acabar”.
Receio
Outro fator preocupante apontado pelo diretor da entidade é o receio da população em sair de casa, se dirigir a um shopping. Com o agravante que esses centros comerciais reabriram com uma série de restriçãos não só no atedimento nas lojas, mas no setor de entretenimento, um dos carros chefe de atração dos frequentadores, como salas de cinema fechadas e praças de alimentação com funcionamento restrito.
Ele aponta o crescimento das vendas em lojas de rua como uma nova realidade, uma vez que o cliente prefere comprar no comércio próximo a sua casa, no bairro e também do crescimento do comércio via internet, estimado pela entidade em 7 milhões de novos consumidores.
“Nossa maior preocupação é janeiro, onde é esperada uma queda de 25% em relação ao ano passado. São variáveis no mínimo estranhas”, admite. A previsão é de aumento de preços diante de um quadro onde faltam mercadorias. Os fornecedores, as indústrias, pararam sua linha de produção durante a pandemia e provocaram uma quebra na cadeia produtiva. “Algumas nem voltaram e as grandes indústrias dependem do retorno das pequenas que contribuem fabricando componentes do produto final, várias delas fecharam as portas”.
O desemprego somado à escassez de renda, de acordo com o empresário, exigirão novos paradigmas para diversos setores da economia. E os shoppings precisarão se adequar à nova realidade. “No modelo atual, com o custo de ocupação, o lojista não conseguirá sobreviver.”
Fonte: Estado de Minas, 28 de outubro de 2020