Justiça reconhece horas extras por uso de WhatsApp fora do expediente

Uma decisão recente da Justiça do Trabalho em Limeira, interior de São Paulo, reacendeu o debate sobre os limites da jornada de trabalho no mundo hiperconectado de 2025. Em sentença divulgada no dia 4 de junho, a 2ª Vara do Trabalho da cidade reconheceu o direito de uma funcionária a receber o pagamento de horas extras por responder mensagens de trabalho via WhatsApp fora do horário de expediente.

O caso envolve uma colaboradora de uma empresa local, que mesmo após bater o ponto e encerrar formalmente sua jornada, seguia conectada aos grupos corporativos, atendendo demandas profissionais até o período noturno.

Entenda o caso

A autora da ação trabalhava presencialmente de segunda a sexta-feira, das 7h45 às 15h33, e aos sábados das 9h às 15h20. Mesmo com a jornada definida, ela alegou que permanecia respondendo mensagens até por volta das 20h40.

Segundo a trabalhadora, o envio de mensagens nos grupos corporativos não era uma exceção, mas sim uma rotina diária. Mesmo após uma promoção para o cargo de coordenadora, que ampliou sua carga horária presencial, a prática de se manter conectada além do expediente continuou.

A funcionária solicitou o reconhecimento das horas adicionais como extras, incluindo o pagamento de acréscimos legais.

Argumentos da empresa

A empresa, por sua vez, contestou a versão da funcionária. Em sua defesa, alegou que o uso de celulares no setor operacional era proibido por razões de segurança e sigilo.

A companhia também afirmou que todas as horas extras feitas pelos empregados eram devidamente registradas no banco de horas e compensadas posteriormente.

Além disso, a defesa sustentou que a colaboradora não teria apresentado comprovação suficiente de que o trabalho virtual fora do expediente fazia parte de suas atividades regulares.

A decisão da Justiça

A juíza Solange Denise Belchior Santaella, da 2ª Vara do Trabalho de Limeira, acolheu os argumentos da trabalhadora. Um dos principais pontos que influenciaram a decisão foi o depoimento de uma testemunha, que confirmou a habitualidade da funcionária em permanecer online e enviando mensagens após o horário regular.

O tribunal considerou que a prestação de serviço virtual por meio de mensagens de WhatsApp caracterizava tempo à disposição da empresa, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A magistrada também observou que a empresa não apresentou provas de que as horas adicionais haviam sido compensadas ou pagas.

Condenação e reflexos trabalhistas

A sentença determinou que a empresa pague as horas extras referentes ao período compreendido até as 20h40 em todos os dias trabalhados pela funcionária.

Além do adicional de 50% sobre o valor da hora normal, a decisão inclui reflexos sobre férias, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e demais verbas trabalhistas.

A decisão é de primeira instância e ainda cabe recurso por parte da empresa.

O que diz a legislação sobre trabalho fora do expediente?

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que qualquer tempo dedicado ao trabalho além da jornada contratual deve ser remunerado como hora extra, salvo se houver acordo individual ou coletivo estabelecendo compensações.

Com o avanço da tecnologia e o uso disseminado de aplicativos de mensagens como o WhatsApp, o conceito de “tempo à disposição” tem sido reinterpretado pela Justiça do Trabalho, levando em conta a conectividade constante dos trabalhadores.

Especialistas destacam que a CLT não diferencia o ambiente físico de trabalho do ambiente virtual. Ou seja, se o empregado está realizando atividades profissionais fora do expediente, mesmo por meio digital, ele tem direito a receber pelas horas adicionais.

O direito à desconexão

O caso de Limeira também levanta discussões sobre o direito à desconexão. Trata-se de um conceito já adotado em diversos países e que começa a ganhar força no Brasil.

Esse direito garante ao trabalhador o respeito ao seu período de descanso, sem a obrigação de permanecer conectado ou disponível para tarefas laborais fora do horário estabelecido.

Embora ainda não haja uma lei específica no Brasil que regulamente o direito à desconexão, decisões como a de Limeira indicam uma tendência da Justiça do Trabalho em reconhecer a necessidade de limites para a comunicação empresarial fora do expediente.

Impacto para empregadores

Para as empresas, o caso serve de alerta sobre a importância de estabelecer políticas claras de comunicação fora do horário de trabalho.

Especialistas em direito trabalhista recomendam que as organizações:

Delimitem os horários para envio de mensagens profissionais

Criem políticas internas sobre uso de aplicativos de mensagens

Registrem formalmente os períodos de disponibilidade de seus funcionários

Ofereçam canais de denúncia para casos de abusos relacionados a horas extras não pagas

A adoção de ferramentas corporativas com registro de acessos e atividades também pode ajudar na gestão correta das jornadas.

O que os trabalhadores devem fazer em situações semelhantes?

Para trabalhadores que se encontram em situação semelhante à da funcionária de Limeira, os especialistas indicam:

Guardar registros de conversas no WhatsApp ou outros aplicativos

Documentar o horário de envio e recebimento de mensagens

Solicitar formalmente o reconhecimento das horas trabalhadas fora do expediente

Buscar orientação jurídica caso a empresa se recuse a negociar

O ideal é que o empregado tente primeiro uma solução amigável com o empregador antes de recorrer à Justiça.

Outras decisões semelhantes

O caso de Limeira não é isolado. Nos últimos anos, outras decisões da Justiça do Trabalho em diferentes estados também reconheceram como horas extras o tempo gasto por trabalhadores em atividades virtuais após o expediente.

Em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, tribunais regionais já proferiram sentenças semelhantes, reforçando a construção de uma jurisprudência mais favorável aos direitos dos trabalhadores em tempos de hiperconectividade.

Perspectivas futuras

Com o crescimento do trabalho remoto e a adoção cada vez maior de ferramentas digitais pelas empresas, o tema deve continuar em debate nos próximos anos.

Especialistas acreditam que o Congresso Nacional poderá avançar em projetos de lei que regulamentem especificamente o direito à desconexão e estabeleçam limites mais claros sobre a comunicação digital entre empresas e empregados.

Enquanto isso, a orientação para empregadores e trabalhadores é buscar equilíbrio, transparência e respeito mútuo no uso das tecnologias de comunicação no ambiente profissional.

Conclusão

A decisão da Justiça do Trabalho em Limeira representa mais um passo importante na proteção dos direitos dos trabalhadores em um mundo cada vez mais digitalizado. O reconhecimento de horas extras por atividades realizadas via WhatsApp fora do expediente reforça a necessidade de que as empresas respeitem os limites da jornada de trabalho.

O caso serve como referência para trabalhadores que se encontram em situação semelhante e como alerta para empregadores que ainda não adaptaram suas políticas de comunicação aos novos tempos.

Fonte: Seu Crédito Digital, 22 de junho de 2025

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