Há decisões de segunda instância e do TST validando dispensas por justa causa
Adriana Aguiar
A Justiça do Trabalho tem admitido a demissão por justa causa de trabalhadores que descumpriram regras de empresas que proíbem ou limitam o uso de celular. Há decisões de segunda instância e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que levam em consideração o fato de o empregado direcionar seu tempo para atividade diversa para a qual foi contratado – e remunerado.
A situação preocupa as empresas. Cada vez mais, advogados têm recebido consultas para que possam ajudá-las a regulamentar o tema em suas políticas internas, em razão do exagero de alguns funcionários na prática que tem sido chamada de “cyberloafing” – acesso à internet no trabalho para uso pessoal.
Em 2021, os brasileiros passaram, em média, quase cinco horas e meia por dia no celular, segundo relatório da empresa de análise de mercado digital App Annie. Ao lado da Indonésia, é o país com o maior tempo entre os 17 analisados – o que inclui Coreia do Sul, México, Índia, Japão, Turquia, Singapura, Canadá, EUA, Rússia, Reino Unido, Austrália, Argentina, França, Alemanha e China. O Brasil, porém, está perto da média global de 4 horas e 48 minutos de uso diário, um aumento de 30% desde 2019.
Como no Brasil o tema do uso do celular pessoal no ambiente de trabalho não é previsto em lei, a definição ficou para os tribunais. Na maioria das decisões, os magistrados entendem que o empregador pode criar regras para restringir ou proibir a utilização do aparelho. E, em caso de descumprimento, desde que existam sanções gradativas, pode demitir por justa causa.
A questão já está sendo discutida em cerca de 47 mil processos, segundo levantamento feito pelo Data Lawyer, a pedido do Valor. Foram usados para a pesquisa os termos “justa causa”, “uso do celular”, “celular privado”, “celular particular” ou “aparelho particular”.
Com a justa causa, o empregado perde praticamente todos os direitos de rescisão. Só recebe saldo de salários e férias vencidas, com acréscimo do terço constitucional. Fica sem aviso prévio, 13º salário, multa do FGTS e seguro-desemprego.
O que chama a atenção, segundo o advogado Tulio Massoni, do Romar Massoni e Lobo Advogados, que fez um levantamento jurisprudencial sobre o tema, é que há dez anos considerava-se restrição ou proibição de uso de celular pessoal como uma política abusiva. “Só se pensava em proibir o celular em áreas de risco ou para evitar, por meio de fotos, a revelação de um segredo da empresa, como modelo de produção”, diz.
Uma proposta para regulamentar a questão chegou a tramitar no Congresso Nacional, mas foi retirada pelo autor, o então deputado federal Heuler Cruvinel (PSD-GO). Sem regras, a questão tem sido decidida pelo Judiciário.
Um dos casos foi analisado pela 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo. Por unanimidade, os desembargadores mantiveram a demissão por justa causa de um segurança. Ele descumpriu as regras da empresa que proíbem o uso do celular durante o horário de trabalho. Foi suspenso por duas vezes e, após um terceiro episódio, dispensado.
Para o relator do caso, desembargador Orlando Apuene Bertão, as provas deixam claro que o funcionário descumpriu as regras, “das quais tinha plena ciência e, apesar das penalidades sofridas, ignorou as advertências da sua empregadora e manteve o comportamento inadequado”.
De acordo com o magistrado, a justa causa é “perfeitamente compatível com a gravidade do caso, mormente a se considerar que o autor, ao fazer o uso indevido do celular durante o expediente, comprometia seriamente a segurança dos locais em que prestava serviços” (processo nº 1000286-75.2021.5.02.0702).
No TRT do Paraná, a relatora de um caso na 6ª Turma, considerou lícita a proibição do uso do celular privado no ambiente de trabalho. Essa regra, afirma em seu voto, está incluída no poder diretivo do empregador. “Evidentemente, enquanto utiliza o celular, o empregado está deixando de trabalhar, ou seja, direcionando seu tempo para atividade diversa para qual foi contratado – e remunerado”, diz (processo nº 0001751-80.2015.5.09.0661).
Existem decisões também no TST. A 6ª Turma negou recurso de um operador de telemarketing que pedia a reversão da justa causa por ter levado o celular para a mesa de trabalho. De acordo com o processo, o trabalhador sabia que estava infringindo norma da empresa. Ele alegou que, embora houvesse armário para guardar objetos pessoais, o empregador não se responsabilizava por eventuais furtos, e já teria havido casos de desaparecimento de objetos de valor.
No entendimento do relator do caso, ministro Augusto César Leite de Carvalho, pela situação descrita pelas instâncias inferiores, ficou comprovado ato de insubordinação e indisciplina (AIRR-1699-80.2012.5.06.0012).
A jurisprudência, segundo Mayra Palópoli, sócia do Palópoli & Albrecht Advogados, é favorável às empresas. Ela tem recebido diversas consultas sobre o tema e orienta os empregadores a deixarem claro, desde o primeiro dia de trabalho, quais as regras, de forma expressa, sobre o uso de celular.
Ela destaca ainda que as empresas devem levar em consideração as novas regras da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei nº 13.709, de 2018. “Deve haver a orientação de que não se pode fazer fotos ou vídeo no ambiente de trabalho com o celular, sem que haja autorização da própria empresa e dos outros colaboradores”, diz
Especialista em gestão do tempo e produtividade, Christian Barbosa afirma que realmente o brasileiro tem perdido muitas horas no celular, mas que eventual restrição por parte da empresa não deve resolver o problema. “O empregado vai usar mais o banheiro para dar uma olhada no celular. E para quem está em home office, é impossível controlar a situação”, diz.
Para ele, seria mais importante o desenvolvimento da cultura da empresa e de hábitos produtivos. “Precisa entender [o empregador] que não é o número de horas trabalhadas que fazem a diferença, mas sim os resultados que o funcionário gera.”
Fonte: Valor Econômico, 14 de março de 2022