Justiça derruba cláusula de exclusividade que limitava Aéropostale

Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo refere-se à loja do Catarina Fashion Outlet, do grupo JHSF, em contrato que proíbe expansão da marca em outlets paulistas

Fátima Fernandes

Não é de hoje que uma cláusula mencionada frequentemente nos contratos de locação entre lojistas e shopping centers, a de exclusividade ou de raio, vira motivo de disputa na Justiça.

Geralmente, ela cita que em um raio de tantos quilômetros a marca fica impedida de abrir uma loja, basicamente com a intenção de evitar uma concorrência capaz de prejudicar as partes.

Até aí, a Justiça já entendeu, em algumas decisões, que cláusula de raio é válida, cabendo às partes decidir de forma objetiva sobre tempo e espaço para a expansão de uma marca.

Só que há casos em que a tal cláusula pode ser considerada abusiva quando não é clara na definição de tempo e território, impedindo o crescimento de uma marca.

A Ragabesh, responsável pela marca Aéropostale no Brasil, acaba de obter uma liminar da Justiça que suspende a cláusula de exclusividade em contrato com shopping do grupo JHSF.

Em 16 de junho do ano passado, ambas firmaram um contrato para a instalação da Aéropostale no Catarina Fashion Outlet, localizado na Rodovia Castello Branco, em São Roque (SP).

Fundada em 1972, a JHSF é uma empresa brasileira que atua nos setores de shoppings centers, incorporação imobiliária, hotelaria e gastronomia. O Catarina Fashion pertence ao grupo.

A Ragabesh Indústria e Comércio de Confecções, empresa brasileira, tem contrato até 2030 para distribuição da marca no Brasil por meio de lojas próprias e franquias. Hoje são dez.

Tudo ia bem até que, no início de maio deste ano, a Ragabesh foi notificada extrajudicialmente pela JHSF por infração contratual referente à clausula de exclusividade.

Isso porque em maio, a Ragabesh abriu uma loja da Aéropostale no Outlet Premium Imigrantes, em São Bernardo do Campo (SP), um empreendimento da General Shopping Brasil.

A cláusula no contrato entre as partes cita que, enquanto estiver no Catarina Fashion Outlet, a marca “obriga-se a não instalar, manter ou operar qualquer outro estabelecimento (sede ou filial) em empreendimentos no formato shopping center off price no Estado de São Paulo”.

Em sua decisão, a desembargadora Lídia Conceição, da 36ª Câmara de Direito Privado, menciona que a cláusula é abusiva por não definir de forma razoável tempo e território e por não especificar se vale para empreendimentos existentes e para os que venham a surgir.

A abertura do Outlet Premium Imigrantes, cita ela em sua decisão favorável à Aéropostale, ocorreu em data posterior à celebração do contrato.

A liminar suspende as penalidades impostas, como aumento de um ponto percentual no aluguel percentual e de 100% no aluguel mínimo mensal, de R$ 22.964,92 para R$ 45.929,84.

Outra penalidade estabelecida no contrato, o pagamento equivalente a 1% do faturamento bruto de cada estabelecimento aberto, também está suspenso.

“Existe um entendimento na Justiça de que, em tese, a cláusula de raio é lícita. Mas, neste caso, é abusiva por impedir a expansão da marca em outlets em todo o Estado de São Paulo”, afirma Perisson Andrade, advogado da Ragabesh.

A cláusula do contrato entre a Ragabesh e a JHSF, diz, não especifica os empreendimentos atuais ou futuramente existentes, raio de distância, sem delimitação temporal ou territorial.

“Para não ser considerada abusiva, tanto a doutrina quanto a jurisprudência reconhecem que essas limitações devem ser especificadas de forma clara e determinada com abrangência razoável, o que não é o caso”, cita Andrade na ação.

Em São Paulo, diz, dois quilômetros, três quilômetros são considerados razoáveis na definição de raio. Neste caso, a distância entre as duas lojas é de quase 100 quilômetros.

Na ação encaminhada pela Ragabesh à 5ª Vara Civil do Fórum Central de São Paulo, a juíza Larissa Gaspar Tunala decidiu ouvir representantes da JHSF antes de dar uma decisão.

A Ragabesh recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo e obteve a liminar no último dia 25.

“A Ragabesh é licenciadora da marca, que é internacional, tem operações próprias (8) e franquias (2), não pode ser impedida de crescer”, diz Andrade.

A marca já possui lojas em Santa Bárbara D´Oeste (SP), São José dos Campos (SP), Itupeva (SP), Itaquaquecetuba (SP), São Roque (SP), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF) e Curitiba (PR).

Uma nova loja está prevista para abrir em Ribeirão Preto (SP) no segundo semestre e outras estão em fase de prospecção de mercado.

“O que o mercado exige hoje é boa fé objetiva e transparência, o que não existe nos contratos com este tipo de cláusula”, afirma Andrade.

Paulo Turquiai, CEO da Ragabesh, que também é responsável pela distribuição da marca Babies “R” Us no Brasil, diz que cláusula de exclusividade é absurda e que, se for o caso, prefere fechar loja no Catarina Fashion do que no Premium Imigrantes.

OUTRAS AÇÕES À VISTA

A Ragabesh não está sozinha no desafio para pôr fim às cláusulas de exclusividade ou raio. Outros lojistas, também do Catarina Fashion, se preparam para seguir o mesmo caminho.

“A cláusula de exclusividade imposta pelo Catarina Fashion é um ilícito concorrencial, uma vez que configura abuso de posição dominante e afronta a ordem econômica prevista na Constituição”, afirma o advogado Daniel Cerveira, que prepara outras ações para lojistas.

Autor do livro “Shopping Centers – Limites na Liberdade de Contratar”, que também aborda o tema, Cerveira diz que a cláusula de exclusividade em contratos cerceia claramente a livre iniciativa dos lojistas.

“Além disso, afeta a liberdade de escolha dos consumidores, na medida em que proíbe a abertura de outras lojas em centros de compras do tipo outlet em todo o Estado de São Paulo, sem qualquer limitação temporal”, afirma.

Há décadas o assunto acaba indo para a Justiça. Há registros de disputas entre Center Norte e Shopping D, Eldorado e Iguatemi, Jardim Sul e Iguatemi, entre outros.

No passado, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) já condenou o uso da cláusula em alguns casos, como prática anticoncorrencial, decisão mantida pela Justiça.

Procurado pelo Diário do Comércio, o grupo JHSF informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comenta contratos firmados com lojistas.

Fonte: Diário do Comércio, 28 de junho de 2024

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