Decisões beneficiam instituições como o BTG Pactual e o Daycoval
Bárbara Pombo
Os bancos têm conseguido, na Justiça de São Paulo, o bloqueio de criptoativos de devedores para a quitação de empréstimos. A medida passou a ser adotada recentemente pelas instituições financeiras, de olho em um mercado que movimentou, só no ano passado, R$ 200,7 bilhões, segundo a Receita Federal.
A discussão surge porque, como não são regulamentadas, as moedas digitais, como o Bitcoin, estão fora do Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud). Por essa plataforma, é possível fazer a pesquisa e penhora on-line de recursos em conta corrente, cooperativa de crédito ou investimento em renda fixa ou variável, como ações.
No ano passado, foram bloqueados R$ 656,4 bilhões por meio do Sisbajud, que começou a operar, em substituição ao Bacen Jud, em outubro de 2020. Deste total, houve a recuperação de R$ 18,9 bilhões por meio de penhoras on-line – valores enviados para contas judiciais por meio de ordens de magistrados.
Credores, então, vêm buscando convencer os juízes a exigirem que as corretoras de criptoativos (exchanges) informem sobre a existência de recursos de titularidade dos devedores para fazer frente às dívidas.
Um dos casos envolve o BTG Pactual. Em março, a instituição financeira obteve decisão da 11ª Vara Cível de São Paulo para a penhora de criptoativos de um empresário que deixou de pagar quase R$ 18 milhões em um empréstimo. O juiz determinou o envio de ofício a dezenas de corretoras para que informem sobre a existência de recursos custodiados em nome do devedor.
O juiz Dimitrios Zarvos Varellis considerou que, apesar de as criptomoedas não terem regulamentação específica, a Receita Federal os considera como ativos financeiros. O Fisco, desde 2019, exige dos contribuintes e das corretoras declaração sobre as operações realizadas para fins de tributação.
“É público e notório o valor de mercado desses bens, o que justifica o deferimento da medida”, afirma o juiz na decisão (processo nº 0051646-45.2020.8.26.0100).
Segundo o advogado Diogo Rezende, que representou o BTG, a decisão faz parte de um número reduzido de precedentes do Judiciário sobre o assunto. “É relevante porque possibilita que todo patrimônio do devedor responda pela dívida. Não pode haver desvio de patrimônio com criptoativos para ficar longe do acesso dos credores”, diz Rezende, sócio do escritório Galdino & Coelho Advogados.
Depois de não conseguir localizar outros bens do devedor, o Banco Daycoval também obteve ordem favorável ao bloqueio no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Em acórdão recente, a 15ª Câmara de Direito Privado reverteu decisão de primeiro grau que havia negado a pesquisa e penhora de ativos digitais de um devedor.
Para o relator do caso, desembargador Elói Estevão Troly, não há vedação em lei para esse tipo de pesquisa. “Observe-se ainda que tais informações possuem caráter sigiloso, acobertadas pelo sigilo financeiro, de modo a exigir a intervenção do Poder Judiciário para viabilizar seu acesso pelo credor, ressaltando-se que a pesquisa via Sisbajud não engloba esse tipo de ativo financeiro”, afirma (processo nº 2212988-06.2021.8.26.0000).
Em primeiro grau, a juíza Maria Carolina de Mattos Bertoldo, da 21ª Vara Cível de São Paulo, havia negado a pesquisa de ativos em exchanges por entender que a medida não teria eficácia concreta para a execução do crédito.
“A informação da existência de relação contratual entre o executado e empresas operadoras de criptomoedas não é medida que possibilita a obtenção concreta do crédito perseguido pela exequente”, diz na decisão.
Alguns juízes ainda consideram que a busca de criptoativos seria excessiva por ir além de medidas padrão de uma ação de execução, afirmam as advogadas Verônica Majarão Jançanti e Aline Nery, do Rezende Andrade e Lainetti Advogados, que atua com recuperação de crédito. “Não é uma busca de recurso financeiro, de um imóvel ou de um veículo. Mas essa é uma prerrogativa do credor”, diz Verônica.
Nos casos representados pelo escritório em que a Justiça autorizou a busca de moedas digitais, conta Aline, as corretoras não localizaram valores ou encontraram conta aberta em nome do devedor, mas sem saldo.
O Banco Daycoval, em nota ao Valor, afirma que “busca todas as formas lícitas para recuperar o crédito, e as criptomoedas não podem servir como blindagem de patrimônio”. O BTG não quis comentar o assunto.
Essa questão não é tratada diretamente no projeto de lei que regulamenta o mercado de criptoativos (PL nº 4401/2021), aprovado pelo Senado. O PL, que ainda vai voltar para análise da Câmara dos Deputados, não determina o órgão que vai supervisionar as prestadoras de serviços de ativos virtuais. Caberá ao Executivo essa definição.
“Possivelmente será o Banco Central. Mas, mesmo que for, não há nada que diga que o órgão vai incluir as exchanges no Sisbajud”, afirma Marcelo de Castro Cunha Filho, advogado da área de direito digital do escritório Machado Meyer.
Há ainda uma barreira tecnológica a ser superada. O Sisbajud, segundo o advogado, não tem poder de operar o sistema blockchain, por meio do qual ocorre o registro das transações e o rastreamento de ativos. Mas futuramente, acrescenta, seria possível “construir uma infraestrutura por meio de smart contract para possibilitar que a transferência de ativo no blockchain seja bloqueada no Sisbajud”.
Fonte: Valor Econômico, 13 de maio de 2022