IGP-M alto dispara renegociação e troca de indexador para aluguéis

Mercado imobiliário assiste a corrida para substituição de cláusulas de reajuste

Gilmara Santos

Principal indicador de referência para reajuste dos contratos de aluguéis, o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado) disparou nos últimos meses pressionado por aumento do dólar, desajustes no setor industrial devido à pandemia de covid-19 e, mais recentemente, pela crise hídrica. Em 12 meses até setembro, o índice acumula alta de 24,86%. Em setembro de 2020, o acumulado era de 17,94%% em 12 meses.

A escalada levou locadores e locatários a trocarem o tradicional indicador de correção de aluguéis, o IGP-M, pelo IPCA (Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo), a inflação oficial. Novos contratos já contam com a mudança na cláusula de reajuste. Os antigos estão sendo negociados pela maioria dos proprietários de imóveis residenciais.

Diferentemente dos contratos comerciais em que as disputas acabam indo parar no Judiciário, nos aluguéis residenciais, as partes tendem a negociar os reajustes fora da esfera judicial. Entre os motivos está a grande oferta de imóveis disponíveis.

Conforme dados da Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), antes do início da pandemia, em março do ano passado, o percentual de imóveis vagos estava em 18%. No segundo trimestre deste ano subiu para 24,3%.

Além disso, o cliente residencial tem mais flexibilidade para mudanças do que o corporativo. “As negociações dos contratos estão acontecendo com muita frequência até porque, no caso de imóvel residencial, entrar com processo na Justiça é algo que pode não valer a pena, já que os valores são muito menores do que nos contratos comerciais”, avalia Danilo Igliori, economista do DataZAP+.

“Aumento de aluguel de 30% pode até acontecer, mas é uma exceção. Considerando os dez bairros com maior valor de aluguel na capital paulista, a Vila Andrade foi o que teve maior aumento, com alta de 10% na média. Já o Itaim caiu 15% na média”, comenta José Osse, head de comunicação da Quinto Andar, plataforma imobiliária digital, com mais de R$ 30 bilhões em ativos sob gestão e 100 mil contratos de aluguel ativos.

Rafael Tellechea Cerqueira, co-founder e COO da Amora, startup do setor imobiliário, explica que o aluguel é calculado com base no preço do imóvel, e que costuma ficar entre 0,5% e 0,6% do valor do mercado.

“Dificilmente de um ano para outro um imóvel valorizou tanto quanto o IGP-M”, avalia. “Proprietários que são um pouco mais duro e não aceitam renegociação acabam perdendo o inquilino e vão ter dificuldade em locar de novo com preço antigo mais a correção do IGP-M. Não é porque está no contrato que faz sentido econômico”, complementa Cerqueira.

Pesquisa da Quinto Andar com seus clientes mostra que mais de 80% aceitaram mudar o indicador. “Alguns pedem para ser algo entre IGP-M e o IPCA, mas mais de um terço aceitaram trocar o indicador e quase 15% decidiram isentar o reajuste neste ciclo”, conta Osse.

Na Lello, a diretora de risco e governança, Moira Toledo, afirma que o percentual de negociação do reajuste neste ano atingiu 95% da carteira que renovou contratos. Em setembro de 2020, 13% dos clientes corrigiram pelo IGP-M – o percentual caiu para 5,85% em julho deste ano. “O IPCA foi o indicador escolhido por 20% dos clientes no ano passado e agora é a opção de 37,88%”, diz.

De acordo com levantamento “O impacto econômico da mudança nos índices de reajuste nos contratos de aluguel”, da Quinto Andar, a taxa de rescisão antecipada, antes de 12 meses, é cerca de 10% maior do que a média quando não há negociação. Nos contratos renegociados, a chance de cancelamento antecipado é 87% menor que a média histórica. A perda de renda do proprietário que recusa a troca de índice pode chegar a 70%.

O estudo mostra que a troca do IGP-M pelo IPCA poderia gerar economia de R$ 1,2 bilhão por mês para inquilinos. Caso todos os contratos ativos hoje tivessem sido corrigidos pelo IGP-M, o gasto mensal total dos inquilinos do país teria aumentado 20% mais do que efetivamente subiu. “A vantagem para o inquilino é a previsibilidade de um indicador que oscila menos e é mais próximo da realidade diária”, afirma Osse.

Projeto de lei (nº 1026/21) aprovado na Câmara prevê que o índice de correção dos contratos de locação residencial e comercial não poderá ser superior ao índice oficial de inflação do país, o IPCA. O texto divide opiniões. Locadores consideram que deve ser respeitada a livre negociação. Locatários afirmam que é necessário restabelecer o equilíbrio das obrigações contratuais devido à imprevisibilidade criada pela pandemia.

O PSD ingressou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (nº 869/DF) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a troca do IGP-M pelo IPCA nos contratos de locação residenciais ou não.

O advogado André Luiz dos Santos Pereira, do escritório Condini e Tescari Advogados, explica que, do ponto de vista jurídico, tanto o Código Civil (artigo 480) quanto o Código de Defesa do Consumidor (artigo 6º, V) possuem disposições que permitem a revisão dos contratos sempre que a obrigação atribuível a uma das partes se tornar desproporcional ou excessivamente onerosa em razão de fatos supervenientes.

Ele reforça que as negociações observadas nos contratos em que as partes estão substituindo o IGP-M por outros índices mais compatíveis com a realidade econômica são uma boa saída.

No início do mês, a Associação Brasileira dos Lojistas Satélites (Ablos) e as associações de lojistas de shopping center dos Estados de Minas Gerais (Aloshopping-MG) e de Pernambuco (Aloshop-PE) ingressaram como “amicus curiae” no processo que julga a ADPF 869, sobre a alteração do índice de reajuste dos aluguéis.

“A ação em andamento perante o Supremo Tribunal Federal irá alterar apenas o valor do aluguel mínimo mensal pago pelos lojistas. Portanto, a manutenção dos shopping centers não será afetada em absolutamente nada”, aponta o advogado Francisco dos Santos Dias Bloch, do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou pelo não conhecimento de descumprimento de preceito fundamental. Entre os argumentos, avalia que a mudança do índice de reajuste dos contratos de locação não pode se dar abstratamente e de forma linear para todos os setores da economia.

A advogada Kizzy de Paula Mota, do Peixoto & Cury Advogados, concorda. “O procurador-geral foi muito técnico e também assertivo. O pedido do PSD é descabido pelo próprio manejo desse remédio constitucional que é a ADPF. O partido quer, na verdade, que o Supremo se manifeste sobre um assunto sem que tenham sido esgotado todas as vias”, diz.

Fonte: Jornal Valor Econômico, 19 de outubro de 2021

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