Por Daniel Cerveira
Lojas em shopping centers estão acostumadas a administrar contratos de locação altíssimos. Em tese, porque os centros de compras atraem consumidores de maior poder aquisitivo. Os proprietários de lojas, no entanto, não cansam de se surpreender com a voracidade contratual dos empreendedores. O aluguel do espaço comercial vem acompanhado de dispositivos que o vinculam às vendas. Para cada produto vendido, há uma “taxa” que deve ser acrescida ao valor- base do contrato.
De fato, a estrutura jurídica que possibilita a instalação planejada e organizada das lojas dentro do edifício é o contrato de locação, que tem características diferenciadas para viabilizar o custo do shopping center visto como empreendimento. Assim, os locatários se obrigam a pagar um valor mínimo (fixo) e um encargo percentual (valor variável e proporcional ao faturamento mensal do lojista).
Ademais, para garantir a estrutura e o subsídio do empreendimento comercial, além do contrato de locação estabelecem-se normas complementares de convivência (como convenção e regimento interno), que incluem as despesas comuns, e o estatuto da associação de lojistas, que pressupõe a adesão de todos os locatários.
Mas um novo fantasma ronda os donos de lojas. Os shoppings estão incluindo cláusulas nos pactos locatícios no sentido de que, se ocorrer a majoração da carga tributária por força da reforma fiscal em andamento em nosso país, os aluguéis serão automaticamente elevados na mesma proporção. Essas cláusulas vêm sendo adotadas como condição para a abertura de novas unidades ou renovações. Isto é, ou o lojista aceita ou o negócio não é concretizado.
Não é preciso ser um expert para concluir que a cláusula tributária não apresenta equilíbrio. No mínimo, a disposição deveria· determinar que, se o imposto vier a ser reduzido, isso também refletirá em valor menor do aluguel.
Diversos dispositivos legais podem ser acionados para contestar a validade desta cláusula, tais como os artigos 19 e 45 da Lei do Inquilinato, além do 422 do Código Civil. O tema é de ordem pública, à luz do parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.
A questão principal, por fim, é que o art. 317 do Código Civil traz a possibilidade de serem revistos os contratos nos casos em que “por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”. Mesmo que se considere que o aumento da carga tributária é um fato imprevisível, caberá ao Poder Judiciário, após o devido processo legal, julgar se é cabível a majoração ou não do aluguel, ou seja, jamais deve ser admitida a sua elevação de forma automática. Mas esse cenário não é vislumbrado pelos administradores de shoppings. Parece que remam contra o próprio empreendimento. E isso é lamentável.
Daniel Cerveira é sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados.
Fonte: Revista Bonjuris, outubro/novembro de 2025