Empresas vencem no TRF-3 discussão sobre relatórios de transparência salarial

Há pelo menos dois acórdãos favoráveis aos empregadores em turma do tribunal federal

Marcela Villar

As discussões sobre a necessidade de empresas com mais de 100 funcionários publicarem relatórios de transparência salarial começam a chegar em turmas dos Tribunais Regionais Federais (TRFs). Há pelo menos dois acórdãos favoráveis aos empregadores. Em duas decisões recentes e unânimes, a 3ª Turma do TRF-3 entendeu que dar publicidade a essas informações extrapola os limites legais e os princípios constitucionais da intimidade e privacidade.

A obrigação de publicar o relatório de transparência salarial veio com a Lei nº 14.611, de 2023, regulamentada pelo Decreto nº 11.795, e por uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a de nº 3.714, do mesmo ano. O documento, elaborado pelo governo, deve ser publicado a cada semestre, tanto no site do MTE quanto em plataformas e redes sociais das empresas.

Os casos julgados pelo TRF-3 envolvem a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e a HM Empilhadeiras. Para o relator dos dois casos, desembargador Rubens Calixto, a portaria e o decreto inovam e extrapolam o que está previsto na lei, principalmente quando obrigam as empresas a replicarem os relatórios nos sítios eletrônicos e a apresentarem cópia de eventual plano de mitigação ao sindicato.

Ao mesmo tempo que o desembargador entende que o ato possa trazer transparência e segurança jurídica, afirma que “há que se prevenir o risco de a publicidade ser utilizada como simples ferramenta de exposição pública, conversível em mera execração, com todas as consequências que isso pode acarretar, violando os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade”.

Na visão do relator, “ainda que muito louvável e necessária a equiparação salarial de gênero e raça, a sua implementação poderia ocorrer com os instrumentos ordinários ao alcance do Poder Público e das pessoas eventualmente interessadas”. A decisão validou a tutela de urgência concedida à Abia e converteu-a em julgamento de mérito, por não haver fatos novos nos autos. O acórdão em favor da HM teve mesmo fundamento (processos nº 5007991-77.2024.4.03.0000 e nº 5009068-24.2024.4.03.0000).

Rubens Calixto ainda reconheceu a competência da Justiça Federal para julgar a questão, algo também debatido no Judiciário. Para ele, a matéria é de ordem pública e “não tem relação direta com emprego ou trabalho, mas com encargos de índole administrativa perante órgãos da administração pública federal”.

O único pedido feito pela Abia que não foi acatado foi a desobrigação de apresentar plano de ação para mitigar a desigualdade. Segundo o relator, não há ilegalidade nesse ponto, pois estava previsto na lei e é algo “aparentemente coerente com o objetivo da norma”.

Christiana Fontenelle, sócia do Bichara Advogados, que atuou nos casos, diz que os TRFs têm sido mais vagarosos para dar decisões de mérito. E que, no início, as ações se pautavam muito mais na ofensa à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a Lei nº 13.709/2018. Agora, as empresas insistem no prejuízo à livre concorrência.

“Fica claro que os relatórios publicados e as decisões confirmam isso, expõem as políticas da empresa, a estratégia de remuneração. E a dúvida que o concorrente tinha sobre a empresa pode ser esclarecida”, afirma Christiana. Ela também critica que não há tempo hábil para a empresa, se notificada, elaborar um plano de ação para mitigar eventual discriminação salarial. “Antes de fazer o plano de ação, é preciso ao menos um prazo para me defender, mostrar as políticas da empresa, se são efetivas, e os benefícios.”

Outro problema, diz, são os relatórios serem publicados sem contexto. “Se sair o relatório de uma mineradora, que há anos tem como público o masculino por questões históricas e de características físicas, não dá para em seis meses mudar esse mercado”. Na visão dela, a principal demanda, alvo de todas as ações, é a republicação dos relatórios nas plataformas das empresas, “que é um ambiente sem lei”. “Vai ofender a realidade da empresa e não vai atender ao propósito da norma.”

Eduardo Alcântara, sócio trabalhista do Demarest, diz que as decisões têm sido muito diversas. “Acabam variando porque os pedidos dependem da necessidade de cada empresa. Então tem ações mais amplas e mais restritas”, afirma. O que motivou os primeiros processos, foi o receio de os próprios dados informados saírem de forma incorreta quando confeccionados pelo MTE, segundo ele. “Tinha descrição que muitas vezes não se concretizava com a realidade e as empresas não podiam fazer essa ressalva.”

Ele lembra existir uma liminar favorável à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), no TRF-6, que dispensa a republicação dos relatórios nos sites e redes sociais das empresas e seria válida para todo o Brasil. Mas caso as companhias tenham outros pedidos, como o envio dos dados ao MTE ou se abster de fazer plano de mitigação, devem entrar com ação própria.

As empresas que descumprirem o disposto na lei podem ser multadas em até 3% da folha de salários, com limite de 100 salários mínimos, o equivalente a R$ 141,2 mil. Mais difícil de cumprir, segundo Alcântara, é a negociação de eventual plano de mitigação com sindicato, se os auditores do trabalho identificarem que a pessoa jurídica oferece salários diferentes para homens e mulheres na mesma função.

“É uma questão política porque, conhecendo os sindicatos dos trabalhadores no Brasil, provavelmente para fazer essa adequação da discriminação vão usar essa negociação como moeda de troca para outra coisa que esteja pendente com a empresa”, completa o advogado.

Alcântara conseguiu decisões favoráveis para clientes, mas um dos acórdãos, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), foi contrário, também de forma unânime (processo nº 5005981-87.2024.4.02. 0000). A palavra final, porém, será do Supremo Tribunal Federal (STF), em uma ação proposta em março pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O relator é o ministro Alexandre de Moraes (ADI 7612).

Em nota ao Valor, a Advocacia-Geral da União (AGU) diz que as normas sobre a publicação dos relatórios “atendem as previsões da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais” e foram editadas “para ampliar a publicidade de dados de interesse público como forma de fomentar a igualdade salarial entre homens e mulheres”. No Judiciário, acrescenta o órgão, a maioria dos pedidos de liminares foi negada.

Fonte: Valor Econômico, 18 de setembro de 2024

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