Gilmara Santos
A Justiça vem condenando empresas que usam a marca do concorrente como palavra-chave para divulgar seus produtos ou serviços por meio dos chamados links patrocinados – anúncios de destaque vendidos por sites de busca. Para juízes e desembargadores, haveria prática de concorrência desleal por confundir o consumidor.
O tema ganhou importância com a pandemia da covid-19, que gerou um crescimento considerável nas vendas pela internet. Relatório da empresa de medição e análise de dados Ebit|Nielsen, realizado em parceria com o Bexs Banco, mostra que as vendas no comércio eletrônico bateram recorde no primeiro semestre ao somarem R$ 53,4 bilhões, avanço de 31% em relação ao mesmo período do ano passado.
“As pessoas passaram a consumir mais por meio da internet. E mesmo quando sabem o que vão comprar, fazem buscas na rede”, diz o advogado Franklin Gomes, do escritório Franklin Gomes Advogados. “O que as empresas passaram a fazer foi aproveitar a chance de expor seus produtos e serviços para as pessoas que estão buscando outra empresa.”
Um dos casos foi julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Os desembargadores da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial condenaram uma empresa que vende roupas infantis a indenizar uma concorrente. Além de danos materiais, foram arbitrados danos morais de R$ 10 mil (apelação cível nº 1006552-54.2019.8.26.0565).
Para o relator do caso, desembargador Grava Brazil, a prática “configura aproveitamento parasitário ou carona no prestígio de marca alheia, visto que é mecanismo para que o apelante [o réu] seja conhecido por quem procurou por outrem”.
Luiz Antonio Varela Donelli, do escritório Donelli e Abreu Sodré Advogados, diz que normalmente o Judiciário tem, nesses casos envolvendo links patrocinados, posicionado-se contra a prática – como o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1606781/RJ) – e determinado o pagamento de danos materiais, apurados em fase de liquidação, além de danos morais, que variam entre R$ 10 mil e R$ 20 mil.
Há casos em que as indenizações somadas ultrapassam a casa do milhão. Uma empresa de entretenimento adulto colocou como palavra-chave a marca da líder de mercado e foi condenada, em 2014, a pagar dano material de R$ 500 mil e dano moral de R$ 1 milhão, por concorrência desleal (processo nº 1041177-30.2014.8.26.0100). Com os recursos, o valor foi reduzido para perto de R$ 350 mil.
Posteriormente, foi fechado um acordo, reduzindo-se a soma para aproximadamente R$ 200 mil, segundo Franklin Gomes, advogado da reclamante. “Só que tempos depois, eles voltaram a usar a marca da minha cliente nos links patrocinados. Violaram o acordo e executamos, o que levou ao pagamento de mais R$ 150 mil”, diz.
Em Minas Gerais, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ-MG), ao analisar recentemente uma disputa entre redes de clínicas médicas, entendeu que não há ilegalidade na utilização dos serviços de links patrocinados, “que configura modelo de publicidade cada vez mais adotado no comércio eletrônico”. Porém, acrescenta o colegiado na decisão, “a utilização de marca registrada de outrem como palavra-chave no serviço de links patrocinados configura, sim, prática abusiva” (processo nº 5110936-68.2018.8.13.0024).
“Quando o signo [palavra ou conjunto de palavras] usado no link patrocinado é uma marca registrada pelo INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial], de titularidade de terceiro, podemos entender que há concorrência desleal”, diz a advogada Lívia Barboza Maia, do escritório Denis Borges Barbosa Advogados. “Isso porque essa atitude pode ser entendida como uso de meio fraudulento para desviar clientela”, complementa.
O advogado Henrique Cataldi, do escritório Benício Advogados, destaca que é importante retratar no processo a conduta desleal, por meio de ata notarial, e comprovar a titularidade da marca. “A ata notarial pode ser usada como prova do ato ilícito e da concorrência desleal”, afirma.
Carolina Carvalho de Oliveira, do escritório Campos e Antonioli Advogados Associados, lembra que, por meio da Lei de Propriedade Industrial (nº 9.279, de 1996), é possível reprimir a concorrência desleal. “Em título específico, delimita [a norma] os crimes contra as marcas. A reprodução de marca sem autorização do titular é crime nos termos do artigo 189 e pode ser punida com até um ano de detenção”, diz a advogada.
No Rio de Janeiro, porém, em uma decisão incomum, o TJ-RJ não considerou a prática ilícita. O entendimento é da 19ª Câmara Cível. Os desembargadores mantiveram sentença da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro que negou indenização em ação por violação de marca e concorrência desleal movida por um laboratório de diagnóstico contra um concorrente. Não cabe mais recurso (processo nº 0107747-11.2017.8.19.0001).
Fonte: Valor Econômico, 1 de novembro de 2021