Da purgação da mora na Ação de Despejo

Mario Cerveira Filho e Daniel Alcântara Nastri Cerveira.

A Lei 8.245/91, conhecida como a Lei do Inquilinato, dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos, isto é, estipula as principais regras para as locações de bens imóveis, sejam eles destinados ao comércio ou ao lar. A referida norma legal estipula as principais regras, visto que também é aplicada a legislação ordinária nos contratos de locação, no que a Lei do Inquilinato for omissa.

Com efeito, muito embora a Lei do Inquilinato possua disposições que protegem os locadores, é manifesto que existem outros que atendem aos interesses dos locatários, como a purgação da mora em ação de despejo por falta de pagamento.

Conforme prevê o artigo 62, da Lei do Inquilinato, o locatário poderá, em sede de ação de despejo por falta de pagamento, no prazo da contestação (15 dias), pleitear a purgação da mora do débito locatício, cujo objetivo é evitar o despejo, ou seja, purgada corretamente a mora, a ação de despejo é julgada extinta e contrato de locação segue normalmente. Quanto ao procedimento, após ser autorizada a purga da mora pelo juiz, o locatário terá 15 (quinze) dias, contados da publicação do despacho que a deferiu (artigo 62, inciso III), para efetuar o depósito respectivo, que deverá englobar os alugueres, encargos, multa, correção monetária (apesar da falta de menção expressa da lei), juros, custas processuais e honorários advocatícios. Outrossim, ainda para evitar o despejo, o locatário deverá continuar adimplindo os alugueres e encargos que forem vencendo até a sentença (artigo 62, inciso V).

Na hipótese do locador concordar com o valor depositado a título de emenda/purgação da mora, a ação será encerrada e a quantia levantada. Porém, o locador poderá não aceitar a importância disponibilizada, quando, então, deverá “justificar a diferença” (artigo 62, inciso III).

No cenário acima, o locatário terá a faculdade de complementar o depósito no prazo de 10 (dez) dias. Ou alegar que a diferença não é devida e aguardar a sentença.

Detalhe relevante, diz respeito ao parágrafo único, do artigo 62, que estabelece “não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade por duas vezes nos doze meses imediatamente anteriores à propositura da ação”. Logicamente, que a notória lentidão do Poder Judiciário, especialmente o Paulista, torna muitas vezes inócuo o dispositivo, pois não é raro que todo o procedimento em pauta leve mais de 01 (ano).

Outra situação que não poderia deixar de ser mencionada, trata da possibilidade da purgação parcial da mora, que ocorre quando o locatário concorda com parte da cobrança e não com o restante. Neste sentido, o locatário poderá purgar a parte incontroversa e apresentar a sua defesa para a quota que entende ser inexigível. Como é intuitivo, salvo a problemática envolvendo os reajustes dos locativos (o que pode gerar controvérsias), é evidente que dificilmente o aluguel, quando não pago, será controverso, na medida em que se configura como um valor certo.

Por outro lado, isto não ocorre com os encargos da locação, principalmente os inerentes aos shopping centers (condomínio/encargos comuns, fundo de promoção, seguros, taxas de administração, encargos específicos etc.), pois são excessivamente complexos e nem sempre os locadores autorizam o acesso aos documentos que os justifiquem. Assim, é oportuno para o tema em exame a exegese do disposto no § 2º, do artigo 23, da Lei 8.245/91, que regulamenta o dever do locatário de pagar encargos condominiais (“encargos locatícios”). Com base nesta disposição legal, o locatário só ficará obrigado no pagamento, quando o locador comprovar a “previsão orçamentária” e o “rateio mensal”. Por último, cabe esclarecer, que o locatário só poderá deixar de proceder o pagamento dos “encargos”, quando efetivamente o locador não exibir os documentos solicitados, ou seja, a recusa do pagamento deve ser robustamente fundamenta e precedida de comunicação por escrita. Aconselha-se consultar um advogado antes de adotar a referida postura (recusa de pagamento), em virtude do alto grau de complexidade jurídica envolvida e uma vez que só a análise do caso concreto poderá indicar qual é o melhor procedimento a ser adotado pelo locatário.

* Os autores são advogados e sócios do escritório Cerveira Advogados Associados.

Artigo publicado: Gazeta Mercantil, 4 de janeiro de 2007

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